domingo, 19 de dezembro de 2010

Ainda guardo renitente um velho cravo para mim...

Sei que estás em festa, pá
Fico contente
E enquanto estou ausente
Guarda um cravo para mim

Eu queria estar na festa, pá
Com a tua gente
E colher pessoalmente
Uma flor do teu jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar

Lá faz primavera, pá
Cá estou doente
Manda urgentemente
Algum cheirinho de alecrim

(1975 - Tanto Mar - Chico Buarque - Letra original, escrita no tempo presente, vetada pela censura, gravação editada apenas em Portugal)
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Foi bonita a festa, pá
Fiquei contente
E inda guardo, renitente
Um velho cravo para mim

Já murcharam tua festa, pá
Mas certamente
Esqueceram uma semente
Nalgum canto do jardim

Sei que há léguas a nos separar
Tanto mar, tanto mar
Sei também quanto é preciso, pá
Navegar, navegar

Canta a primavera, pá
Cá estou carente
Manda novamente
Algum cheirinho de alecrim

(1978 - Segunda versão, escrita no tempo passado)
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Tanto Mar figura uma carta escrita por um português no Brasil para um amigo português em Portugal. Ambos os países sob o regime ditatorial.

Em 25 de Abril de 1974, o regime português foi derrubado por uma revolução popular que ficou conhecida como Revolução dos Cravos. Há várias histórias para o uso do cravo como símbolo da revolução. Umas delas é que, ao amanhecer, uma florista levava cravos para decorar um hotel quando foi surpreendida por um soldado, solidário à revolução, que colocou um de seus cravos na ponta da espingarda, e em seguida todos os outros fizeram o mesmo.

Por isso, na letra, Chico fala da primavera, dos cravos, lá, em Portugal
(sei que estás em festa, pá, fico contente). Porém cá, no Brasil, ele está doente pela ditadura ainda latente.

Na segunda versão da letra, 1978, há uma mágoa referência ao término da Revolução, visto que em 25 de novembro de 1975, um golpe militar pôs fim ao Processo Revolucionário em Curso:
já murcharam tua festa, pá. Mas não com o ânimo revolucionário: mas certamente esqueceram uma semente nalgum canto de jardim.

Para quem não sabe: A expressão "pá" no final das frases, é uma corruptela de "rapaz", em Portugal.

(fontes: Othon César / www.chicobuarque.com.br)

12 comentários:

  1. Que lindo. Adoro Chico. Poeta importantíssimo para nosso país. Sempre fazendo referência a história em suas letras e com isso conta e mantém viva nossa memória.

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  2. Galera que coincidencia. Acordei um dia desses cantarolando essa música, não me lembrava bem da letra, misturava tudo, e aqui está a explicação são duas letras kkkkkkkk Também considero muito o Chico o melhor letrista dessa terra.

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  3. Chico é lindo por dentro e por fora. No período da ditadura no Brasil fez a diferença com seus versos, enquanto bocas eram caladas, uma das chances de exteriorizarmos o que pensávamos era cantando os versos de Chico.

    Leandra

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  4. Uma belíssima homenagem à Revolução dos Cravos. Censuraram essa maravilha como proibiram praticamente todas as músicas de Chico, ele era um perseguido. hehehehe. E o medo dos ditadores que acontecesse também aqui no Brasil uma revolução considerada socialista como a de Portugal? Só proibindo eles poderiam ocultar o que acontecia por lá, porque cá imperava uma epidemia de vermes no poder que fazia adoecer qualquer um.

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  5. Grande poeta com grandes idéias e ideais que nenhuma ditadura foi capaz de calar.

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  6. Poetas mil adornam nosso mundo com uma visão humanista, coletiva, isenta de egoísmo. Chico Buarque e Fernando Pessoa, meus preferidos.
    Chico se refere a Fernando Pessoa em Tanto Mar, o que torna meu carinho pelos dois conciso.

    "Navegar é Preciso - Fernando Pessoa"

    Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
    "Navegar é preciso; viver não é preciso".

    Quero para mim o espírito [d]esta frase,
    transformada a forma para a casar como eu sou:

    Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
    Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
    Só quero torná-la grande,
    ainda que para isso tenha de ser o meu corpo
    e a (minha alma) a lenha desse fogo.

    Só quero torná-la de toda a humanidade;
    ainda que para isso tenha de a perder como minha.
    Cada vez mais assim penso.

    Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
    o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
    para a evolução da humanidade.

    É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.

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  7. boa lembrança
    as vezes nos esquecemos e não reconhecemos nosso dia

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  8. Que legal. Gostei muito de saber mais esta. Sempre gostei do Chico. beijos

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  9. Só o Chico mesmo pra ter uma sacação dessa. Ditadura cá, fim da ditadura lá, doente cá, festa lá. Amoooooooooo esse cara.

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  10. "Esqueceram uma semente nalgum canto do jardim".
    Rego-a diariamente. Adubo-a. E já floresce em alguns pequenos segmentos de nossa sociedade. Pequenos... Mas continuo regando, adubando...

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  11. Muito bom. Amo o Chico e vê-lo assim homenageado aqui por vocês deixa-me enternecida. Essa música, como tantas outras dele, foi censurada, claro que seria, desde quando ditadores poderiam aceitar tanta clareza, tanta beleza, tanta vontade de ser feliz.

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  12. A educação anda sempre a frente, gostaríamos que o Brasil não a tivesse não perdido nos últimos 15 anos; talvez a sementinha teria germinado.

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