segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

As palavras e as coisas: sobre as ditaduras

por Emir Sader

O flagrante dos otavinhos ao ter chamado a ditadura militar de “ditabranda” se repete no Chile. O governo neo-pinochetista de Sebastian Piñera aprovou no Congresso a substituição de ditadura militar por “governo militar” nos textos escolares e o de Pinochet de general e não de ditador. A trama fracassou lá também, mas deixa lições.

Que importância tem chamar as coisas pelos seus nomes? Dizer que ditadura foi ditadura e não ditabranda ou governo militar ou “regime autoritário” (como o chama FHC em suas análises)?

Chamar ditadura de ditadura é dizer que é o oposto de democracia. Dizer que se tratou de uma ditadura militar, quer dizer que as FFAA, como instituição, violaram as atribuições constitucionais, e assumiram o poder do Estado.

Chamar aquele regime de “autoritário” ou de “ditabranda” ou de “governo militar” é esconder sua natureza essencial: de governo imposto pela força das armas, derrubando a um governo legalmente constituído.

Quando os órgãos da velha mídia brasileira chamam Castello Branco, Costa e Silva, Garrastazu Medici, Ernesto Geisel, e Joao Figueiredo de presidentes ou de ex-presidentes e não de ditadores, está equiparando-os aos que foram eleitos pelo voto popular e escondendo seu caráter essencial de governantes apoiados na força das armas e não na vontade popular.

Esconder a natureza de ditadura militar serve para tentar esconder o papel que teve essa mesma mídia ao pregar contra o governo democraticamente constituído, alegando que preparava um golpe e caracterizar o movimento golpista como de “salvação da democracia em perigo”. O famoso “pega ladrão”, que serviu para acobertar justamente o que diziam que buscavam evitar: um golpe e a instauração do mais brutal regime que nossa historia conheceu, uma ditadura militar.

Chamam - como fez a própria ditadura, que eles apoiaram – os seus opositores de “terroristas”, a forma de desqualificar os que, ao contrário deles e contra eles, resistiram, lutaram contra a ditadura, jogando sua vida nesse embate. Alegam que os que lutavam contra a ditadura queriam instaurar aqui outro tipo de ditadura. Uma leitura de intenções muito particular de quem pregou o golpe militar alegando que ia ser dado um golpe militar. Enquanto que o que os militares, com seu apoio e conivência, realmente deram foi um golpe, instauraram uma ditadura militar e um regime de terror durante mais de duas décadas.

Chamar democracia de democracia e ditadura de ditadura, conta. FHC chamou a ditadura de “autoritarismo”, e a democratização do país simplesmente de luta contra “os resquícios autoritários”. A partir dessa visão, a democratização era uma operação política superficial, de tirar a maquiagem de um regime autoritário para que ele se tornasse democrático. Apenas desconcentrar o poder político em torno do Executivo e desconcentrar o poder econômico em torno do Estado, como foi a concepção de FHC, que terminou predominando no Brasil, em que as estruturas de poder – dos bancos, da terra, dos meios de comunicação, entre outros – não foram tocadas.

Assim, pelo que se entendia por ditadura – ou autoritarismo – se pode entender o que cada um entende por democracia. Se simplesmente a igualdade jurídica proposta pelo liberalismo ou se profunda democratização das estruturas econômicas, sociais, políticas, da sociedade.

Chamar as coisas pelo seu nome é mais do que um problema nominal. É nomear seu conteúdo, suas determinações sociais, suas características políticas. As coisas não se reduzem a seus nomes, mas os nomes designam – ou escondem – a natureza de cada coisa.

7 comentários:

  1. Concordo plenamente com o professor Emir.

    Quando boa parte da mídia apregoou contra um governo democraticamente constituído, levando a população a acreditar que este preparava um golpe e mascarar o golpe como de salvação da democracia em perigo o que ela fez foi esconder a natureza das coisas, foi trocar o nome da coisa. Ditadura é ditadura e ponto final.

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  2. Acho isso mesmo também.
    Chamar as coisas pelo seu nome é nomear seu conteúdo.
    Ficar aí tornando brando o que é pesado é o mesmo que chamar pessoas inteligentes de otárias.

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  3. Ah mas esses ditadores e seus filhotes fazem isso na maior cara de pau. Chamam golpe de revolução. Chamam pancadaria em manifestantes de contenção de ânimos. Chamam assassinato de ordem. Chamam tortura de investigação. E por aí vai...

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  4. Basta relembrarmos do editorial do jornalista Roberto Marinho, sob o título: Julgamento da Revolução, no O Globo de 07 de outubro de 1984, para mais uma vez nos bestificarmos com o valor das palavras e das coisas na boca da grande mídia.

    "Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada".

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  5. Basta relembrarmos do editorial do jornalista Roberto Marinho, sob o título: Julgamento da Revolução, no O Globo de 07 de outubro de 1984, para mais uma vez nos bestificarmos com o valor das palavras e das coisas na boca da grande mídia.

    "Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada".

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  6. Chamar as coisas pelos seus nomes é conteúdo puro.
    Se eu ouvir em qualquer lugar desse mundo alguém chamar ou falar ou gritar Flora certamente vou reconhecer meu nome e procurar de onde vem o som.
    Já desse solo mãe gentil com tanta gente que a pariu não sei se gritado ou sussurrado o conteúdo é tão puro.
    Não estou lamentando, apenas espairecendo.

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  7. Mais uma vez estamos aqui atrapalhados com as palavras que criamos para dar nomes as coisas. Isso me faz lembrar do livro Cem Anos de Solidão, onde era preciso escrever o nome nas coisas para se lembrar o nome delas, e depois, tanto era o esquecimento, que até não se lembrava mais porque aquelas coisas estavam com um lembrete de nomes, e o que era nome e o que era coisa.

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