quinta-feira, 31 de maio de 2012

Eventos em SP lembram 75 anos do nascimento de Vladimir Herzog

A largada foi dada nesta quinta-feira, com a abertura de uma mostra de documentários políticos latino-americanos

por Camila Moraes

Os processos formais ligados à restauração da memória e ao direito à justiça, nos países latino-americanos que viveram décadas de ditadura, demoraram bastante a se estabelecer. É o caso do Brasil, que só em 2012, longos anos após a queda do poder ditatorial, vê estampadas com maior frequência na imprensa nacional manchetes sobre as chamadas Comissões da Verdade.

O cenário é ainda mais complicado quando o assunto são crimes de estado isolados ou jamais investigados e, especialmente, os que são cometidos no presente. É o que acontece em países como a Colômbia, nos esforços de contenção (ou de maquiagem) de uma guerra interna envolvendo exército, guerrilha e paramilitares, que já dura quase 60 anos.

A cultura não garante o direito à vida ou faz justiça, mas muitas vezes é mais rápida do que os interesses governamentais. Através dela, podem ser estabelecidos panoramas e discussões que ativem a busca por esclarecimento. Com esse objetivo, foi idealizada uma mostra de documentários políticos latino-americanos que ocupará as salas da Cinemateca Brasileira e do Cinesesc, em São Paulo, a partir de junho.

Quem está por trás do projeto é o Instituto Vladimir Herzog, que contou com o apoio do Ministério da Cultura para realizá-lo no ano em que Vlado – jornalista que dá nome ao Instituto e que foi torturado e assassinado em 1975 pela ditadura em São Paulo – completaria 75 anos de idade. Seu objetivo é fazer um repasso, de 1950 aos dias atuais, pelo cenário sócio-político latino, com foco em obras que tratam das lutas de resistência às ditaduras militares, governos totalitários e outras formas de opressão do poder contra o povo, grupos étnicos ou minorias.

No rastro da memória

São 49 títulos, entre curtas, médias e longas-metragens documentais, vindos de 13 países latino-americanos e curados por Marina Dias Weis, socióloga e cineasta formada na EICTV, escola de cinema fundada por Fernando Birri e Gabriel García Márquez em Cuba. O critério de seleção dos filmes, muitos deles de rara exibição no Brasil, passa sempre pela questão da memória, segundo a curadora. “Os documentários dessa mostra, sejam autocríticos, engajados, nostálgicos, intimistas, utópicos ou brutais, são um olhar no espelho: a memória como ponte para o presente”, explica.

A programação, que é gratuita e terá início no dia 19.06, conta com quatro seções temáticas: “No calor da hora”, com destaque para o curta “Revolución”, de Jorge Sanjinés, importante referência do cinema boliviano; “Transformação da memória”, na qual figura o longa mais recente de Patricio Guzmán, grande documentarista chileno, “Reinvenção da herança”, com títulos de jovens realizadores que passam adiante as histórias ouvidas, como “Alfaro vive, carajo! Del sueño al caos”, da equatoriana Isabel Dávalos; e, finalmente, “Direito à verdade e à justiça”, em que os realizadorescriam uma arqueologia do passado recente, como faz a brasileira Beth Formaginni em “Memória para uso diário”, construindo uma ponte por justiça dos familiares de desaparecidos políticos e das mães de jovens executados nos dias de hoje pela polícia que atua nas favelas do Rio de Janeiro.

Guzmán no Brasil

Um dos destaques do evento é, sem dúvida, a vinda do realizador chileno Patricio Guzmán a São Paulo para a realização de um seminário de criação de documentários – já oferecido por ele em outras capitais da América do Sul, como Buenos Aires e Bogotá.

Os interessados nas 60 vagas disponíveis poderão se inscrever no começo de junho no site do Instituto Herzog. A participação dos selecionados será gratuita.

Na mostra, da qual Guzmán é o grande homenageado, serão exibidos quatro de seus filmes, entre eles “A batalha do Chile” (partes 1, 2 e 3) ” e “Nostalgia da luz”. Este último contará com uma apresentação especial do cineasta, que hoje vive na França, sobre seu trabalho.

Exposição de cartazes

Esquentando a mostra de documentários, a organização do evento anuncia uma Exposição de Cartazes sobre a Anistia, que reunirá 60 trabalhos na Cinemateca a partir desta quinta-feira, 31.05, até 08.07.

Na abertura dessa exposição, será exibido o único documentário dirigido pelo jornalista Vladimir Herzog, o curta Marimbás (1963),além o filme Tire diré (1960), do cineasta Fernando Birri, com quem Vlado conviveu em Santa Fé, na Argentina.Celebrando a relação entre dois, será apresentado também “Vlado e Birri: encontros”, de Marina Weis e Laura Faerman, curtarealizado especialmente para a ocasião.

Serviço

“Memória e transformação: o documentário político na América Latina ontem e hoje”
Exposição de cartazes: 31.05 a 08.07 (Cinemateca Brasileira)
Mostra de documentários: 19.06 a 08.7 (Cinemateca Brasileira e Cinesesc)
Entrada gratuita

Publicado originalmente em Opera Mundi

Um comentário:

  1. Muito muito interessante. Faço minha a colocação "A cultura não garante o direito à vida ou faz justiça, mas muitas vezes é mais rápida do que os interesses governamentais. Através dela, podem ser estabelecidos panoramas e discussões que ativem a busca por esclarecimento."

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