segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Censura e Cinema no Brasil da ditadura

Quando em 1990 os arquivos da censura foram abertos, além do bafo amargo de um período de menosprezo as criações artísticas, a livre manifestação, a informação e principalmente aos sonhos e a vida, exalou também que a censura era muito bem estruturada e cumpria função estratégica no regime militar. Os censores eram preparados para interpretar mensagens políticas, participavam de cursos onde examinavam criteriosamente filmes de cineastas tidos como subversivos, como Godard, Truffaut, Pasolini e Antonioni, alguns até estudaram cinema em universidades para não deixar escapar nenhuma técnica velada que identificasse subversão.

Antes do golpe de 1964 a censura já existia, mas limitava-se a classificar os filmes por faixa etária. Depois do golpe ela é moldada a servir aos interesses do regime com uma atuação moralista, cortando palavrões, cenas libidinosas, exposição do corpo. Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha, por exemplo, foi proibido para menores de 18 anos, mas não sofreu cortes, no parecer do censor não há qualquer alusão a mensagens políticas no filme.

De 1967 a 1968 ocorre a militarização da censura, que com o decreto AI-5 se torna totalmente ostensiva e implacável, com atuação de censores da alta patente, generais e coronéis com seus olhares totalmente fincados na preservação do estado repressor, onde qualquer manifestação contrária representava um atentado à segurança nacional. O AI-5 institui uma censura mais ferrenha nas artes, principalmente no cinema, cerceando a liberdade de expressão e criação artística dos cineastas. A proibição de filmes se torna prática comum.

Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha, foi proibido em todo território nacional por ser considerado subversivo e irreverente, a censora que o avaliou fez um relatório político e contundente onde destaca a frase que considera ameaça ao estado: A praça é do povo e o céu é do condor.

Macunaíma (1969), dirigido por Joaquim Pedro de Andrade, baseado na obra de Mário de Andrade, também foi proibido, o censor identifica na roupa de uma personagem o símbolo da Aliança para o Progresso - organização voltada para a América Latina criada pelo presidente americano John Kennedy e contestada pelo regime militar - e manda apagar a cena.

Nesse universo de censores preparados para matar qualquer ideia que julgassem impertinente ao estado repressor que eles representavam, tudo era julgado e muita criação condenada. Em 1972, o cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão, foi assombrado não apenas com a proibição, mas com a explosão irada de sua censora que declarou em sua justificativa pela não liberação do filme À meia-noite encarnarei em teu cadáver: "Se não fugisse à minha alçada, seria o caso de sugerir a prisão do produtor pelo assassinato à Sétima Arte, pois não foi outra coisa que ele realizou ao rodar o presente filme".

Na abertura política iniciada em 1975, a censura toma novos rumos. Filmes que antes seriam esfacelados começam a ser liberados sem ou com poucos cortes para o cinema. O alvo passou a ser outro: a TV. Eles perceberam que o público do cinema era restrito e que o controle precisava ser feito sobre a televisão, que chegava a todos os lugares e a todas as pessoas. Um caso exemplar é o de Pixote, rodado em 1980, por Hector Babenco e só liberado para a TV cinco anos depois, com 38 cenas censuradas.

Como disse o crítico francês Georges Sadoul: “Façam seus filmes, como for possível. Não parem. Porque um dia isso vai passar, e nesse dia seus filmes estarão lá, para contar essa história”.

Vale lembrar que os cortes eram feitos nas cópias. Com os originais preservados, a partir de 1988, com o fim da censura, os filmes puderam ser exibidos em sua íntegra e desfrutarem da apreciação do público, que é quem tem por direito gostar ou não de uma criação artística.

El Justicero (1963), de Nelson Pereira dos Santos, é um caso raro de filme que teve até os negativos confiscados. Por anos, o cineasta deu El Justicero como perdido, até que soube que havia uma cópia em 16 mm na Itália, para onde tinha sido levada pelo cineasta David Neves.

A censura foi uma das mais poderosas armas de sustentação da ditadura militar brasileira. Competente e incisiva fez valer a vontade do regime militar. Calou, frustrou, destruiu impiedosamente caminhos almejados de muita gente e com isso controlou o público do que ele poderia ter ou não acesso.

"Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em um cofre não se guarda coisa alguma. Em cofre perde-se a coisa à vista. Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado. Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se declara e declama um poema".
Antonio Cícero


Fontes: Leonor Souza Pinto e Denise Assis

15 comentários:

  1. Em Terra e Transe os problemas denunciados são o descaso dos políticos com a população, a pobreza da maioria em contraste com a riqueza da minoria, a ausência de um sistema de educação e saúde eficientes, briga de interesses, etc...
    Caramba, não sei porque censuraram o filme se era isso que o regime militar lutava para
    implantar no Brasil. Não é? Tinham mais é que aplaudir o filme de pé por mostrar o quanto o trabalho deles estava prosperando.

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  2. Ou o contrário, né Silvio

    Glauber inventou em Terra em Transe um país fictício chamado Eldorado. Certamente a censura proibia também a existência do imaginário nas pessoas. Porque ela poderia até correr o risco de considerar que o público veria os problemas político-sociais desse lugar como pura imaginação do cineasta.... hehehe

    abração gentes...

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  3. Silvio e Afonso, vcs dois são muito cínicos. rs

    Mas vamos lá. Então a censora do filme do Zé do Caixão se pudesse o mandaria prender pelo assassinato à Sétima Arte, é cômico, se não fosse trágico. Porque se fosse da alçada dela, ela mandaria, ah, e como mandaria. Imaginem essa dona atuando nos porões da ditadura. Não sobraria o menor vestígio da passagem de Zé do Caixão por lá.

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  4. Barbaridade. Podiam até ser bem treinados mas eram uns ignorantes. Quem aceita trabalhar para um regime como este sei não se tem cérebro. Acho que eram como cães amestrados. Dá a patinha, e ele dá.

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  5. O mais interessante é que a frase que a censora considerou ameaça ao estado: "A praça é do povo como o céu é do condor", é de uma poesia do Castro Alves, fala sério!!!!!!!!!!!!

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  6. Quem se presta a castrar o viço da criatividade é um condenado à viver nas trevas.

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  7. Aninha, é que Castrense é referente à classe militar, deve ser por isso.

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  8. kkkkkkk

    Ana Maria, so faltou a censora q avaliou o filme mandar censurar tbm o tal poeta Castro Alves por ter escrito esse verso.

    Os censores podiam ate ser bem preparados, mas ninguem me tira da cabeça q eram umas bestas.

    Linda Florinda, vc e mesmo uma linda por essa frase. Concordo plenamente com vc.

    Beijos a tds

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  9. Quanta loucura! Quanto mais me informo sobre esse tempo tão sombrio que os brasileiros viveram mais me interesso pelo assunto para me manter sempre em vigia para que um estado como esse nunca mais assombre a vida de nossa gente. Nem de gente alguma de qualquer lugar desse mundo. Ninguém merece viver assim podado, subtraído, frustrado em seus sonhos. Pô !

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  10. Todo censor é um indíviduo frustrado, desprovido de imaginação e de vontade de transformar. Por isso castra os que criam e inovam para que germine apenas mofo.

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  11. Nesse tempo tudo era arquitetado para a grande edificação de um império controlador onde só valia a vontade dos tiranos.

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  12. ... mas vamos apagar essa página da história sem ressentimentos... kkkkkkk... Eta esse povo gostava mesmo de censurar... Gostava?

    LU

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  13. Quem se presta a ser censurador não tem o ímpeto da criação, apenas o da mutilação, para ao menos se sentir importante em destruir o que ele é incapaz de criar. O criador jamais censura, jamais danifica uma obra. O criador admira e se delicia com o novo.

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  14. Que intenso Flora. Amei seu comentário.

    LEANDRA

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  15. bom,eu acho que a ditadura militar foi, entre tantos outros fatos notáveis da história do Brasil, o que mais manchou a biografia do nosso país. Este período é marcado pelo despotismo, veto aos direitos estabelecidos pela constituição, opressão policial e militar, encarceramentos e suplício dos oponentes. A censura aos canais de informação e à produção cultural, ou seja, a editoração de livros, a produção cinematográfica e tudo que fosse referente à televisão, foi intensa, tudo era acompanhado muito de perto pelos censores do governo. O objetivo principal era passar à população a idéia de que o país se encontrava na mais perfeita ordem, os jornais foram calados, obrigados a publicarem desde poesias até receitas no lugar das verdadeiras atrocidades pelas quais o país passava.
    raquel,14.

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