terça-feira, 11 de outubro de 2011

Em defesa da história da USP

por Camila Viviane Lui de Souza e João Victor Pavesi

Em 17 de março de 1973, a ditadura militar assassinava o estudante de Geologia da USP, Alexandre Vannucchi Leme, mais uma vítima daquele período marcado por prisões, torturas, desaparecimentos e assassinatos de militantes políticos que se propunham a construir uma sociedade democrática.

Alguns anos passados, durante o processo de redemocratização no Brasil, o governo militar permitiu que as organizações políticas e entidades sociais voltassem a atuar livremente. Entre elas o Diretório Central dos Estudantes da USP. Para que não fosse esquecida a proibição de seu funcionamento durante o governo dos quartéis, o movimento estudantil acrescentou a expressão Livre ao nome da entidade, reafirmando a defesa da liberdade de organização e expressão. Da mesma forma, os estudantes decidiram homenagear Vannucchi Leme, dando seu nome ao Diretório Estudantil.

Agora, em 2011, na contramão do debate internacional para constituição de comissões da verdade com a tarefa de verificar os crimes cometidos pelo Estado em períodos sem democracia plena, a reitoria da Universidade de São Paulo e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República constroem nos arredores do conjunto residencial da USP (o CRUSP, prédio invadido pelo exército em 1968) um monumento que nomeia a ditadura militar como “Revolução de 1964”. Tal postura é uma afronta à memória de Vannucchi e das centenas de vítimas do regime militar, além de denotar desinteresse em apurar e tornar públicas as violações e crimes ocorridos de 1964 a 1985.

Da parte da USP, verificamos que há muitos motivos para a falta de interesse.

O reitor Luís Antonio da Gama e Silva, ministro da Justiça durante o governo militar de Costa e Silva, foi o redator do Ato Institucional nº 5, que aprofundou a repressão no país. O atual reitor, João Grandino Rodas, não escolhido pela comunidade uspiana, durante a década de 1980 esteve diretamente envolvido na comissão que apurou a morte da estilista Zuzu Angel, inocentando os militares que a assassinaram. A história dos reitores da universidade parece evidenciar a vontade de recontar a história apagando as atrocidades cometidas pelo Estado brasileiro durante a ditadura.


Em relação à Secretaria de Direitos Humanos, não nos surpreendemos com tal postura. Desde a não aprovação integral do PNDH-3 durante o governo Lula, e mais recentemente, no debate sobre a criação, função e composição da Comissão da Verdade, verificamos a falta de empenho em efetivar o direito à memória, à verdade e à justiça sobre os acontecimentos do período militar.

É necessário que a população brasileira tenha acesso a toda informação sobre as violações aos direitos humanos durante os anos de 1964 a 1985. Instituições de educação pública, como a USP, devem ser exemplos na consolidação da democracia. Não podemos permitir que a USP de Florestan Fernandes, Octavio Ianni, Paulo Freire, Caio Prado Júnior, Mario Schenberg, Milton Santos, Antônio Cândido e tantos outros que se dedicaram à formação socialmente crítica de seus alunos, almejando construir uma sociedade mais justa, democrática e menos desigual, adote postura tão reacionária e conservadora.

João Victor Pavesi de Oliveira é estudante de Geografia na Universidade de São Paulo (USP) e Camila Viviane Lui de Souza é estudante de Ciências Sociais na USP. Os dois constroem o coletivo estudantil Barricadas Abrem Caminhos e são diretores do DCE-Livre da USP “Alexandre Vannucchi Leme”

2 comentários:

  1. Um depoimento íntegro e essencial de dois jovens antenados com nossa história, nossa realidade. Muito boa a informação.

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  2. Tá maus de reitores a USP hein. Claro que isso pesa nessa má vontade de recontar a história e camuflar as atrocidades cometidas pelo Estado brasileiro durante a ditadura com palavras distorcidas.

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