quinta-feira, 15 de março de 2012

MPF ajuíza 1ª ação da história do país contra agente da ditadura

por Najla Passos

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou ontem (quarta, 14), com a primeira ação penal da história do país contra um militar acusado de praticar crimes durante a ditadura. O denunciado é um dos carrascos mais odiados por torturados, familiares dos desaparecidos políticos e militantes dos direitos humanos: o coronel da reserva do Exército, Sebastião Curió Rodrigues, comandante da última ação de repressão à Guerrilha do Araguaia, a chamada Operação Marajoara, deflagrada em outubro de 1973.

Na denúncia, apresentada à Justiça Federal de Marabá (PA), Curió é acusado de seqüestro qualificado dos guerrilheiros Maria Célia Corrêa (Rosinha), Hélio Luiz Navarro Magalhães (Edinho), Daniel Ribeiro Callado (Doca), Antônio de Pádua Costa (Piauí) e Telma Regina Cordeira Corrêa (Lia), ocorridos entre janeiro e setembro de 1974. Conforme depoimentos e informações colhidas pelo MPF, todos eles foram capturados pelas tropas comandadas pelo então major Curió, presos em bases do Exército e submetidos à tortura. E nunca mais foram encontrados.

A opção de imputar à Curió o crime de seqüestro qualificado foi a alternativa encontrada pelos procuradores para evitar que ele fosse beneficiado pela Lei da Anistia, que perdoa os crimes praticados por militares desde o início da ditadura, em 1964, até o momento em que a lei foi sancionada, em 1979. Principalmente depois que, no ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou a validade da controversa norma legal. Se fosse acusado de crimes como tortura e assassinato ocorridos em 1974, durante a vigência da Lei da Anistia, o coronel reformado passaria impune.

Como as vítimas nunca foram localizadas, esses crimes não estão sujeitos nem a prescrição e nem à Lei da Anistia, porque continuam acontecendo”, afirmou o procurador de São Paulo, Sérgio Suyama. Ele garante que a tese defendida pelo MPF, embora inédita, está baseada em jurisprudência criada pelo próprio STF, que, com o entendimento de que o sequestro é um crime permanente, determinou a extradição de dois militares argentinos, acusados de crimes cometidos durante a ditadura militar daquele país. Na Argentina, ao contrário do Brasil, a Lei de Anistia foi revogada e mais de 800 militares responderam ou respondem judicialmente por seus crimes.

A punição dos responsáveis pelos crimes praticados pela ditadura militar é uma determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) que, em 2010, condenou o Brasil pelos crimes praticados pelos militares durante a Guerrilha da Araguaia. “Por conta da inércia do Estado brasileiro, os familiares dos desaparecidos políticos levaram à denúncia a essa corte internacional”, explicou o procurador de São Paulo.

Segundo ele, as primeiras ações dos familiares contra os agentes da ditadura foram ingressadas na Justiça em 1982, ainda durante a vigência do regime, que só acabou em 1985. Nunca houve punição dos culpados. Em 2007, a Justiça Brasileira condenou o governo a devolver os restos mortais dos 160 desaparecidos políticos, mas, até agora, apenas quatro foram localizados. Em 2009, o governo criou um grupo de trabalho para operacionalizar as buscas, que vem sendo acompanhado pelo MPF.

Nos dois primeiros anos de trabalho, foram realizadas escavações em 63 locais, sem nenhum sucesso. Em 2011, as buscas se concentraram em cemitérios, mas nenhum dos corpos encontrados foi identificado como sendo de guerrilheiros. “Eu acompanhei parte das escavações realizadas na região do Araguaia, indicando locais e fornecendo coordenadas obtidas durante as investigações do MPF, mas, devido a grandiosidade da região e a falta de informações precisas dos militares, não obtemos êxito”, justifica o procurador de Marabá, Tiago Modesto Rabelo.

De acordo com ele, embora essa primeira ação penal vise apenas à condenação do Major Curió, o MPF garante que ela não exime futuras outras denúncias. “As investigações vão continuar. A Lei Penal nos permite o aditamento de outras ações, imputando novos crimes”, acrescentou Rabelo. Conforme ele, só em dezembro do ano passado, o MPF recebeu um total de 15 representações dos familiares dos desaparecidos na guerrilha.

O que vai determinar a abertura de novas ações é a qualidade da prova”, completou Suyama. Ele informou que há, no âmbito do MPF, 55 investigações em curso contra outros agentes da ditadura militar, nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Pará. E há, também, seis ações civis, propostas em São Paulo, que visam ao reconhecimento de que os acusados foram responsáveis por crimes de tortura e exigem que eles devolvam aos cofres públicos às quantias pagas pelo Estado em indenizações e pensões para os familiares das vítimas e auxiliem a Justiça na localização dos corpos dos desaparecidos.

publicado originalmente em Carta Maior
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Juiz federal nega denúncia contra major Curió e critica Ministério Público por tentar driblar Lei de Anistia
 
por Débora Zampier, da Agência Brasil

A Justiça Federal no Pará negou hoje (16) pedido do Ministério Público Federal para processar o oficial da reserva Sebastião Curió Rodrigues de Moura, conhecido como major Curió, pelo desaparecimento de pessoas que participaram da Guerrilha do Araguaia na década de 1970. Segundo a decisão, a Lei de Anistia deve ser aplicada e, mesmo que não houvesse essa opção, o crime está prescrito. O juiz João Cesar Otoni de Matos, da Vara Federal de Marabá, criticou a iniciativa do MPF.

Nesta semana, procuradores decidiram entrar com a ação na Justiça Federal no Pará alegando que o caso não se encaixava na Lei de Anistia, que foi validada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2010. Segundo a denúncia, Curió deveria ser responsabilizado pelo sequestro de cinco militantes políticos. Como estão desaparecidos até hoje, os procuradores consideram esse um crime permanente.

Ao negar a denúncia, o juiz João Cesar Otoni de Matos considerou que o MPF cometeu um equívoco ao entrar com a ação. Depois de mais de três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que, além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à sua edição.

Sobre a possibilidade de prescrição do crime, o juiz afirma que a morte dos cinco opositores do regime militar deve ser presumida nesses casos, diante do contexto em que se deram os fatos. Ainda cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Ao comentar o caso nesta semana, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, preferiu não tomar partido em relação à iniciativa dos colegas, limitando-se a destacar que se trata de uma tese diferente. Ele também reafirmou seu ponto de vista em defesa da Lei de Anistia e disse que o assunto deveria chegar ao STF.

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MPF vai recorrer pela condenação de Curió

Objetivo é responsabilizá-lo, 38 anos depois, pelo "desaparecimento forçado de presos políticos" da guerrilha do Araguaia


Ministério Público Federal no Pará

O Ministério Público Federal vai recorrer da decisão do juiz João César Otoni de Matos para que o coronel da reserva Sebastião Rodrigues Curió seja processado pelos crimes de sequestro contra guerrilheiros do Araguaia. Os procuradores da República que atuam no caso – do Pará, Rio Grande do Sul e São Paulo – já estão trabalhando no recurso que será dirigido ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

“Estamos efetivamente dispostos a cumprir a determinação da Corte Interamericana de Direitos Humanos que deixou clara a obrigação brasileira de trazer a verdade sobres os fatos que ocorreram naquele momento, de dar uma satisfação às famílias que até hoje não sabem o que ocorreu com seus parentes e também a cumprir o precedente do Supremo Tribunal Federal sobre vítimas de desaparecimento forçado”, diz o procurador da República Ubiratan Cazetta, um dos responsáveis pelo caso.

O procurador se refere à decisão da Corte da OEA sobre os crimes cometidos por agentes da ditadura na guerrilha do Araguaia que determinou ao Brasil “conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária a investigação dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-lo, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções”.

E também a decisões do STF em pedidos de extradição do governo argentino em que os ministros decidiram extraditar militares acusado de sequestro. “Embora tenham passado mais de trinta e oito anos do fato imputado ao extraditando (desaparecimento forçado de presos políticos), as vítimas até hoje não apareceram, nem tampouco os respectivos corpos, razão pela qual não se pode cogitar, por ora, de homicídio”, disse o ministro Ricardo Lewandowski, relator de um dos casos.

“Não existe convicção de que as pessoas estão mortas, portanto, é fundamental que a Justiça analise os casos, permita a produção de provas, traga à luz a história dessas vítimas. Não se pode simplesmente presumir sua morte sem mais indagações e dispensando-se a instrução processual”, considera o procurador da República Tiago Rabelo, que atua em Marabá e trabalha há mais de dois anos colhendo depoimentos e testemunhos sobre as operações de repressão no Araguaia.

Na decisão de não receber a denúncia criminal contra Curió o juiz Otoni Matos considerou – dois dias depois de receber o processo - que a Lei da Anistia (nº 6.683/79) impede qualquer tentativa de punir os crimes do coronel reformado. “Pretender, depois de mais de três décadas, esquivar-se da Lei da Anistia para reabrir a discussão sobre crimes praticados no período da ditadura militar é equívoco que, além de desprovido de suporte legal, desconsidera as circunstâncias históricas que, num grande esforço de reconciliação nacional, levaram à sua edição”, diz o juiz João César Matos.

Para o MPF, a denúncia criminal contra Curió não questiona a Lei da Anistia e sim observa os precedentes do próprio STF em casos análogos, além de obedecer a decisão da Corte Interamericana, porque o Pacto Interamericano de Direitos Humanos foi assinado pelo Brasil e tem força de lei no país. “Se o Brasil não quer cumprir o pacto, o que seria uma decisão política absolutamente desastrosa na minha opinião, a adesão do Brasil tem que ser desfeita, isso tem que ser feito oficialmente. O país voluntariamente aderiu ao pacto e a partir disso precisa cumpri-lo, não pode se recusar toda vez que uma decisão lhe desagradar”, argumenta o procurador Cazetta.

“O MPF considera insuficientes os fundamentos da decisão do juiz Otoni Matos, porque afirma que a Lei de Anistia é válida e alcança fatos passados, mas não considera que ela própria, expressamente, se refere a fatos ocorridos até 15 de agosto de 1979, não se aplicando, portanto, a condutas que se prolongam no tempo, como no caso do crime de seqüestro referido na denúncia, de caráter permanente, já que não se sabe o paradeiro das vítimas” explica Tiago Rabelo. A permanência do crime é o argumento determinante para os procuradores da República que atuam no caso.

Os procuradores também ressaltam que a consumação do seqüestro não depende necessariamente da manutenção da vitima em cativeiro, como sugere a decisão. “O próprio STF já teve a oportunidade de tipificar fato idêntico como seqüestro qualificado”, repisa Rabelo.

“Não estamos questionando a decisão do STF de manter a validade da Lei de Anistia. Ao negar que o processo criminal continue, a Justiça sim contraria, não só a Corte Interamericana, como o próprio STF, que permitiu extraditar militares para serem julgados pelos mesmos crimes imputados ao coronel Curió no Brasil”, conclui o procurador Felício Pontes Jr.

4 comentários:

  1. Já estava mais que na hora. Tortura e tortura seguida de desaparecimento do corpo não se admite em ordenamento jurídico nenhum do mundo, nem mesmo em guerra se admite tortura.

    Rogério de Araújo

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  2. O fato é que quem promove golpe de Estado e pratica crimes contra o Estado de Direito é ditador e golpista e porque não dizer terrorista e não merece ficar impune. É honesto que se diga que os que depuseram um presidente eleito pela vontade do povo, por meio de armas, foram truculentos, arrogantes e agiram fora da lei. E se depois disso praticaram todo tipo de ruindade aos que resistiram ao golpe merecem adjetivos ainda piores como insanos, perigosos, assassinos, cruéis, sanguinários... e por aí vai.

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  3. É, mas a verdade resume-se num 1º de Abril perpétuo. Sinto tanto que o Brasil seja tão corrompido por interesses que nem sei quais são ao certo. Sair da esfera de 3º mundo a estas custas não é mérito pra nenhuma gente. Ou é?

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  4. A pizza por cá continua assando.
    Ainda que não adicionaram na receita o cravo.
    Mas não tarda, pá.

    Duarte

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