quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Justiça determina mudança em atestado de óbito de Vladimir Herzog

por Folha Vitória

Atendendo a pedido da Comissão Nacional da Verdade, o juiz Márcio Martins Bonilha Filho, da 2ª Vara de Registros Públicos do Tribunal de Justiça de São Paulo, determinou na segunda-feira, 24, a retificação do atestado de óbito de Vladimir Herzog. Pela determinação judicial, daqui para a frente constará que a morte do jornalista "decorreu de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do 2º Exército-SP".

Herzog foi preso no dia 25 de outubro de 1975, no período do regime militar, e levado para interrogatórios nas dependências do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), do 2º Exército. Na versão das autoridades da época, ele teria cometido suicídio na prisão. No laudo da época, assinado pelo legista Harry Shibata, consta que Herzog morreu "por asfixia mecânica" - expressão utilizada para casos enforcamento.

A recomendação ao magistrado foi assinada pelo coordenador da Comissão da Verdade, ministro Gilson Dipp. Segundo o advogado José Carlos Dias, que também faz parte do colegiado, a decisão judicial deverá ter forte repercussão. "Existem muitos casos semelhantes. Nós já estamos estudando outros para encaminhar à Justiça", afirmou.

Trata-se de decisão de primeira instância. A Promotoria de Justiça, que se manifestou contra a mudança, pode recorrer.

Reconstrução

A Comissão da Verdade tomou a iniciativa atendendo a solicitação da viúva do jornalista, a publicitária Clarice Herzog. No texto da sentença, o juiz Bonilha Filho afirmou que a Comissão "conta com respaldo legal para exercer diversos poderes administrativos e praticar atos compatíveis com suas atribuições legais, dentre as quais recomendações de ‘adoção de medidas destinadas à efetiva reconciliação nacional, promovendo a reconstrução da história’".

O juiz lembrou que, em 2011, a Justiça já reconheceu que o laudo pericial feito na época está incorreto e que a morte não ocorreu por suicídio. Diante do argumento do promotor de que seriam necessárias novas investigações para determinar a causa da morte, antes da mudança no atestado, Bonilha Filho argumentou: "Seria verdadeiramente iníquo prolongar o martírio da viúva e dos familiares e afrontar a consciência pública nacional a renovação da investigação".

Para o juiz, "há muito ficou apurado, em termos de convicção inabaláveis, por via jurisdicional comum, que o jornalista Vladimir Herzog perdeu a vida em razão de maus tratos e de lesões sofridas, em circunstâncias de todos conhecidas." A família de Herzog, que nunca acreditou nas informações dos militares sobre suicídio, esperou 37 anos para conseguir a mudança no atestado de óbito.

Colegiado

A Comissão Nacional da Verdade quer saber de onde partiam as ordens, executadas por policiais civis e militares, de tortura, sequestro e desaparecimento de prisioneiros políticos no período do regime militar. Os policiais, segundo integrantes da comissão, não agiam por vontade própria, mas cumpriam ordens, dentro de uma cadeia de comando.

"A tortura foi uma política de Estado durante a ditadura militar", diz o sociólogo Paulo Sérgio Pinheiro, um dos sete integrantes da comissão. "As torturas, os desaparecimentos, os assassinatos não foram resultado de excessos cometidos por alguns integrantes do aparato do Estado."

À comissão, segundo o sociólogo, não interessam apenas informações sobre os agentes acusados de violações de direitos humanos que já são em grande parte conhecidos: "Queremos saber de onde vinham as ordens para a execução dessa política".

Em encontro com jornalistas, na segunda-feira, em São Paulo, integrantes da comissão revelaram que a principal dificuldade que enfrentam é a falta de documentos da área militar sobre o período investigado. As solicitações feitas às autoridades militares são respondidas, invariavelmente, com a informação de que os documentos foram incinerados.

As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.
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Mudança no atestado de óbito de Herzog pode ser estendida a outras vítimas

por Agência Brasil

O ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles, membro da Comissão Nacional da Verdade, confirmou terça-feira, 25, no Rio de Janeiro, que a decisão da mudança do atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog, partiu da própria instituição.

"Por unanimidade, nós deliberamos que diante de um quadro evidente de que ele foi assassinado nas dependências do Estado, pelo serviço policial da repressão, oficial na época, e embasado por provas eloquentes, nós deliberamos, para provocar o Poder Judiciário, por meio dos juízes de registros públicos, para que fosse sanada aquela gravíssima omissão. E fizesse constar que esse digno brasileiro morreu vítima da violência arbitrária", disse Fonteles.

A mudança atingirá todos os que foram mortos pela ditadura, assegurou o ex-procurador. "Todos. Criamos o que se chama em direito do precedente prudencial. E todos agora, podem seguir essa linha. Acho que foi um ponto altamente positivo".

A comissão não sabe, entretanto, quantos presos políticos poderão ser beneficiados. Fonteles ressaltou que isso vai depender muito dos parentes das vítimas. "Eles sabem. É muito fácil para todos nós. Procurem a comissão, apresentem o quadro, como fez Clarice Herzog e seu filho, e aí, pronto. Já temos o procedente e, imediatamente, andamos".

Fonteles participou da audiência pública Memória e Verdade, organizada pela Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão do Rio de Janeiro (Prdc-RJ). Indagado se o médico-perito que assinou o atestado de Herzog à época, Harry Shibata, poderia ser acusado de crime de falsa perícia, esclareceu que, criminalmente, o fato prescreveu. "Tem mais de 70 anos, a prescrição conta pela metade".

Ele declarou que o Brasil, "lamentavelmente, no direito penal, ainda é um País que estimula muito a impunidade". Para Fonteles, crimes graves não deveriam prescrever nunca. "Reitero isso fortemente. Crimes graves não podem prescrever".

Admitiu que a comissão já está investigando também os empresários que financiaram a ditadura. Mas não quis adiantar detalhes. "Posso dizer só isso: já temos alguns documentos para montar o quadro. Mas deixa a gente trabalhar um pouquinho mais. Nada será oculto". Previu que haverá novidades para relatar mais para o final do ano.

Em resolução publicada na edição do Diário Oficial da União do dia 17 de setembro, a comissão decidiu apurar os crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura militar, restringindo as investigações aos crimes cometidos por agentes públicos ou a serviço do Estado. A resolução indica, portanto, que supostos crimes atribuídos a opositores do regime ditatorial, que vigorou no Brasil de 1964 a 1985, não serão alvo de análise. De acordo com a assessoria de imprensa da comissão, a decisão atende a regras já previstas em lei e em acordos internacionais em que o Brasil é signatário.

A comissão concluiu que a queima de documentos e atas referentes ao período da ditadura pelos militares foi ilegal, oficiou a decisão ao Ministro da Defesa, Celso Amorim, para que os comandos militares se manifestem, o que não ocorreu até agora. Embora exista um crime no ato cometido, Fonteles ponderou que uma apuração de culpabilidade remeteria aos comandantes anteriores, que atuavam à época da ditadura, e não aos atuais.
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3 comentários:

  1. Bem, certamente um passo positivo na retificação da nossa história, embora um passo capenga, pois mudar um atestado de óbito em que a causa da morte foi lesões causadas por tortura praticada pelo Estado para simplesmente lesões e maus-tratos é fraquinho, muito fraquinho. É uma versão açucarada demais para uma morte tão impiedosa.

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  2. não é bem assim
    tá escrito que a morte do jornalista "decorreu de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do 2º Exército-SP"
    pra mim fica subentendido que só pode ser devido a tortura não é necessário realçar a palavra

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  3. O Estado tem a obrigação de proteger seus cidadãos e não de eliminá-los sob tortura. Herzog não era guerrilheiro, não era perigoso para o poder vigente. Todo cidadão tem o direito de se defender quando é preso, até o mais baixo assassino tem esse direito. Herzog era um trabalhador, um cidadão conforme o Estado assina embaixo como ideal, e mesmo assim foi assassinado por quem deveria protegê-lo, assassinado como um inimigo do Estado. A reparação é mais do que justa para que o nome desse brasileiro não esteja mais associado a um suícida assustado e sim a um brasileiro honrado.

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