quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Produzindo Esquecimento: histórias negadas

de Cecília Maria Bouças Coimbra

"Tornar-se senhores da memória e do
esquecimento é uma das grandes preocupações
das classes, dos grupos, dos indivíduos que
dominaram e dominam as sociedades".
Ana Paula Goulart Ribeiro


Alguns Dispositivos na Produção do Esquecimento

1. História e Mídia

…o processo de estruturação da memória coletiva é um dos mais sensíveis às disputas e aos confrontos dos diferentes grupos sociais. Como já assinalamos, a "história oficial" tem selecionado e ordenado os fatos segundo alguns critérios e interesses construindo, assim, "zonas de sombras, silêncios, esquecimentos, repressões".
Todo e qualquer acontecimento que hoje não se faça presente nos mass-media não existiu, não aconteceu, está fora da memória histórica que está sendo registrada e guardada pelos diferentes equipamentos sociais. Não está sendo relegado somente ao esquecimento; o que é pior, passa a não existir.
"Toda propaganda deve ser tão popular e ter nível intelectual que até mesmo o mais ignorante daqueles para a qual ela é dirigida possa entendê-la. Pode-se fazer com que as pessoas percebam o paraíso como inferno e, no sentido oposto, que considerem a forma mais vil de vida como o paraíso". (palavras de Adolf Hitler)

2. As Mortes Por "Acidente"

Uma "outra" história que também tem sido contada, narrada e registrada refere-se às mortes dos opositores políticos. De um modo geral, as versões oficiais da ditadura militar brasileira para os assassinatos perpetrados diziam respeito às mortes por resistência à prisão, por atropelamento ou por suicídio. Assim, oficialmente todos os militantes políticos assassinados foram efetivamente mortos "acidentalmente". Para coroar esse processo de negação histórica, a ditadura contou com o apoio técnico de vários médicos legistas que respaldaram com seus laudos as versões oficiais da repressão. Nesses documentos oficiais as causa-mortis foram registradas como reação à prisão, atropelamento, ou suicídio, pois em nenhum momento foram descritas as marcas de torturas presentes nos corpos desses opositores políticos.

3. A Figura do Desaparecido Político

O desaparecimento de pessoas ocultação de seus restos mortais e circunstâncias em que se deram suas mortes tem se caracterizado por ser uma das mais perversas práticas de tortura sobre seus familiares e amigos, pois para a "história oficial" essas pessoas estão vivas e para as autoridades são "foragidas" da justiça. Ou seja, apesar de terem sido seqüestradas, torturadas e assassinadas pelos órgãos de repressão, as autoridades governamentais jamais assumiram suas prisões ou mortes oficialmente.
Em uma sociedade com desaparecidos, com práticas sistemáticas de extermínio e violação dos mais elementares direitos estão presentes não somente os danos causados diretamente aos atingidos e aos seus familiares. Também estão sendo produzidas cotidianamente práticas de conivência, cumplicidade, submissão, medo, omissão, autocensura e, principalmente, esquecimento.
Ao mesmo tempo em que institucionalizava a tortura e a figura do desaparecido político no Brasil e na América Latina, alastrava-se e naturalizava-se a categoria de "indigente" (No Brasil o termo "indigente" refere-se àqueles que, por não serem identificados e reclamados por suas famílias, são enterrados em covas rasas como "desconhecidos".) No Brasil, esta categoria passou a ser produzida não somente por meio dos órgãos de repressão política, mas também, pela atuação dos chamados Esquadrões da Morte. Estes, nos anos 50 e, principalmente, após o golpe militar de 64 e no início da década de 70, no Rio de Janeiro e em São Paulo, fortaleceram-se como instrumentos para "diminuir" os índices de criminalidade entre as populações marginalizadas das periferias das grandes cidades.
A produção da instituição "indigência" que, dentre outras coisas, tem massacrado a cidadania, retirando a identidade dos opositores políticos ou não, está comprovada pelos números de ossadas encontradas nas pesquisas realizadas por diferentes entidades de direitos humanos no Brasil.

"falar a esse respeito forçar a rede de informação institucional, nomear, dizer quem fez, o que fez, denunciar o alvo é a primeira inversão de poder, é um primeiro passo para outras lutas contra o poder" (Foucault, M. e Deleuze, G. - "Os Intelectuais e o Poder")


Leiam o texto na íntegra em: http://www.slab.uff.br/textos/texto65.pdf

14 comentários:

  1. MUITO BOM TOPICO
    BEM ISSO MESMO
    HITLER SO CHEGOU ONDE PRETENDIA POR CONTA DA PROPAGANDA QUE ELE IDEALIZOU QUE INDUZIU MULTIDOES A PENSAR COMO ELE QUERIA
    MUITO PERIGOSO ISSO NAS MAOS DE GENTE TORTA

    BLOGUE DE CARA NOVA GALERA
    BONITAO

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  2. Sei que a postagem aborda mais itens, mas vou no embalo do Silvio porque acho esse assunto demais pernicioso, por isso dou continuidade...

    "Por muitas vezes ouvimos pessoas afirmarem que a capacidade de Hitler em instigar o povo alemão a se unirem para a guerra, no sentido de defender a prole ariana, era impressionante. De acordo com Wagner Pinheiro podemos observar que o ditador não dispunha apenas de um potencial oratório, mas de uma máquina de propaganda usada para enraizar na mentalidade alemã a supremacia da raça ariana sobre os demais povos "inferiores" e estes deveriam ser exterminados para o bem da evolução humana que seria conduzida pelos germânicos."

    Leia mais em:

    http://www.webartigos.com/articles/20788/1/Propaganda-de-Hitler/pagina1.html

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  3. Tortura sem marca. Só eles mesmos para acharem que a ausência de cicatrizes são suficientes para ocultar a força que impuzeram para deter reação.
    Ao mesmo tempo tenho dúvidas...
    Vejam Hitler. Fez tudo escondidinho. Usando um intróito propagandístico avassalador. Até hoje me pergunto onde estava o olfato daquela gente que vivia ao redor dos fornos que carbonizavam pessoas ao sabor do sol do meio dia.
    Alguns geram propaganda, outros compram.

    Murath

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  4. Quando a gente sabe que existiu uma chamada como esta num jornal de 1964, além da vontade de mandar toda essa gente que produz notícia a ... a... bem... vocês sabem... Dá também uma vontade imensa de continuar mandando quem ainda pensa assim a... a... bem... vocês sabem...

    “A paz alcançada. A vitória da causa democrática abre o País a perspectiva de trabalhar em paz e de vencer as graves dificuldades atuais. Não se pode, evidentemente, aceitar que essa perspectiva seja toldada, que os ânimos sejam postos a fogo. Assim o querem as Forças Armadas, assim o quer o povo brasileiro e assim deverá ser, pelo bem do Brasil”

    Jornal O Povo – Fortaleza – 3 de Abril de 1964

    Fonte: Prosa Espontânea
    http://mardemarmore.blogspot.com/2010/09/midia-e-ditadura-militar.html

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  5. Esqueci de comentar que percebi as mudanças no Blog. Ficou diria mais mais... rsrsrs... Ficou legal meninos e meninas. Força aí. Tudo de bom para vcs sempre. A luta de vcs é a minha luta.
    Abraços a todos e todas.

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  6. Quem afaga a tortura,
    desrespeita o sofrimento vivido.
    Gera lágrima e dor futura.
    O juiz que se omite em punir a barbárie,
    por mais que esbraveje o contrário.
    A estimula!
    A covardia se amplia envolvendo a justiça.
    O tom do medo se impõe à cidadania.
    Soltem os cachorros é permitido morder.
    Durmam tranquilos os torturadores?

    (Marcelo Zelic - Vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais-SP e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, coordenador do Projeto Armazém Memória)

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  7. Sobre produzir o esquecimento...

    Antígona, de Sófocles, uma das belas reflexões a respeito dos limites do poder. Ela é o verdadeiro núcleo do que podemos encontrar nesta tragédia que não cessa de nos assombrar.

    Antígona, deseja enterrar seu irmão Polinice, que atentou contra a cidade de Tebas, mas o tirano da cidade, Creonte, promulgou uma lei impedindo que os mortos que atentaram contra a lei da cidade fossem enterrados, o que era uma grande ofensa para o morto e sua família, pois a alma do morto não faria a transição adequada ao mundo dos mortos. Antígona, enfurecida, vai então sozinha contra a lei de uma cidade e enterra o irmão, desafiando todas as leis da cidade.

    “ … o Estado deixa de ter qualquer legitimidade quando mata pela segunda vez aqueles que foram mortos fisicamente, o que fica claro na imposição do interdito legal de todo e qualquer cidadão enterrar Polinices, reconhecê-lo como sujeito autor de seus crimes. Pois não enterrá-lo só pode significar não acolher sua memória através dos rituais fúnebres, anular os traços de sua existência, retirar o seu nome. Uma sociedade que transforma tal anulação em política de Estado, como dizia Sófocles, prepara sua própria ruína, elimina sua substância moral. Não tem mais o direito de existir enquanto Estado. E é isto que acontece a Tebas: ela sela o seu fim no momento em que não reconhece mais os corpos dos 'inimigos do Estado' como corpos a serem velados”.

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  8. É mesmo, quantas sequelas se ramificam no desaparecimento ou ocultação de restos mortais de uma pessoa que foi sequestrada, sim, sequestrada. Porque a ação da ditadura era primeiramente capturar a pessoa, depois colocá-la em cativeiro, e, se o pedido de resgate, que era a confissão, não fosse logo recebido, eles não devolviam a pessoa para a família, matavam-na. E restava o que para os familiares senão a eterna esperança dessa pessoa estar viva. Não existe sofrimento maior do que a eternidade. Saber que essa dor nunca terá fim, conviver diariamente com ela, sem nenhum paleativo para acalmá-la, apenas a incerteza corrosiva.

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  9. Sobre a postagem, notícia em tempo real:

    "Estrutura que pode ser um depósito de ossos será aberta até o fim de novembro.

    (12/11/2010) São Paulo – Foram iniciados os trabalhos de busca pelos restos mortais de dez
    desaparecidos políticos da ditadura militar no Cemitério de Vila Formosa, na zona leste de São Paulo.

    Como havia sido informado por antigos funcionários, corpos de desaparecidos políticos eram apresentados como de indigentes, que chegavam ao local em grandes caminhões. Agora, uma antiga quadra que havia sido descaracterizada será objeto de escavações e perícias.

    Inicialmente, foi removido pela Prefeitura de São Paulo um canteiro sob o qual pode estar oculto um depósito de ossos. Um equipamento digital já permitiu identificar que há, de fato, uma estrutura sob a terra, com três metros de largura e três de comprimento. A expectativa é realizar a abertura até a última semana de novembro."

    Só espero que daí saiam fatos não distorcidos por interesses de quem não quer que a história
    seja desenterrada.

    LEANDRA

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  10. Como diziam os carrascos de Auschwitz: “Ninguém acreditará que fizemos o que estamos fazendo. Não haverá traços nem memória.”

    Abraços aos meninos e beijos as meninas, gostei das mudanças no blog, parece minha mulher que tá sempre dando uma repaginada e ficando sempre mais bonita. hehehe

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  11. Uma coisa posso dizer, Marcos, essas pessoas jamais esquecem. Diferente dos que plantaram essa dor que diariamente apostam no esquecimento coletivo.

    Gente, não estou brincando, mas nesse momento exato ouço tiros disparados na rua em que moro. Fico confusa diante de tanta perdição de vidas... algumas que nem descobriram ainda porque o homem vive. Esse mundo me conturba. Não o reconheço. Não me sinto nele abrigada.

    ... ouço agora sirenes.... Amanhã estará nos jornais alguma notícia irrelevante...

    Beijos, gente

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  12. A tortura é uma experiência humilhante. A meta não é obter informação, mas castigar-nos e destroçar-nos tanto, que façamos o que as autoridades querem. Transformamo-nos num exemplo para os outros, que ficam aterrorizados para sempre.
    Isabel Allende

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  13. Os que participam direta ou indiretamente da manutenção de um estado que só sobrevive se semear, cultivar e colher gente sofrida, desinformada, desiludida, são mais ignóbeis que a colheita pretendida.

    "Um homem saudável não tortura os outros. Em geral é o torturado que se torna o torturador."
    Carl Jung

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  14. Linda, concordo com vc

    Só irradia o mal aquele que o conhece, lhe é inerente e sabe como manuseá-lo.

    Abração

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