Não pode ser mera coincidência a estréia de uma peça que apresenta os coturnos da ditadura como adereço de cena permanente e o empenho dos remanescentes da supra dita em Brasília para manter em “sigilo eterno” documentos que explicam aspectos sombrios da história do Brasil. Não se trata de reincidência, mas de coerência: assim como eles ajudaram a eliminar os adversários, inclusive fisicamente, agora concorrem para impedir o aparecimento da verdade sobre os inúmeros crimes de lesa humanidade cometidos pelo Estado imperial brasileiro (e depois pela República) contra as repúblicas vizinhas.A peça Os filhos da Dita, em rigorosa estrutura épica, expõe aspectos tenebrosos de nossa história recente – a começar pelo golpe de Estado civil-militar de abril de 1964 – com direito a homenagens explícitas a nossos heróis da resistência caídos em combate, como Carlos Marighela.
Do material encontrado pela pesquisa no plano da resistência cultural, os criadores deste trabalho adotaram a música de João Bosco e Aldir Blanc – O bêbado e a equilibrista na sonoplastia e Transversal do tempo na cena – para lhes dar régua e compasso nesta verdadeira operação-resgate da nossa memória: dos feitos truculentos para assegurar a continuidade de nossa condição de quintal do imperialismo à luta contra aquela violência, pelo fim daqueles tempos tenebrosos. Que, entretanto, como indicam os coturnos e a “operação sigilo eterno”, persistem em larga escala.
Como alegoria central, a peça apresenta uma original e muito bem elaborada versão local da mãe Coragem: a nossa Dita, que não hesitou em matar seus filhos, só lamenta que os MORTOS (do passado e do futuro: estes não perdem por esperar) não tenham entendido sua lição de AMOR, empenhada a ponto de usar todas as armas disponíveis, inclusive a tortura, para demonstrá-la.
O espetáculo é teatro com T maiúsculo principalmente porque é LIÇÃO DE HISTÓRIA em linguagem cênica dialética.
Iná Camargo Costa é dramaturgista do grupo Ocamorana

Parabéns galera. Produzir um espetáculo com um tema pesado desse e receber aplausos com A maiúsculo por um teatro com T maiúsculo não é brincadeira pra qualquer um não. Abraços com A B R A Ç O S maiúsculos.
ResponderExcluirEu estava lá !!! E estarei lá na próxima temporada. Ueba !!!
ResponderExcluirVerdade Jurandir,... é para ARLEQUINS !!! Valeu.
Os velhacos de Brasília que exalam a toxina do "sou invisível" para não serem expostos como fazedores e aspirantes de um país encoberto por uma manta carnavalesca de axés e bundas saradas, escondem cantos dolorosos e estrias.
ResponderExcluirE agora essa de sigilo eterno para não ter problemas com os vizinhos.
Problemas com os vizinhos? Nem vou falar dos do tempo da ditadura, vou citar apenas a Guerra de la Triple Alianza, composta por Brasil, Argentina e Uruguai, de 1864 a 1870, que detonou o Paraguai.
Indigna mãe.
Pessoal
ResponderExcluirTer um resultado assim reconhecido com tantas maiúsculas é pq foi merecido. Continuem nesse caminho e que a história faça o seu papel abrangente.
B E I J O S
Fico feliz por vocês.
ResponderExcluirAgora, me surpreendeu a colocação "... e do futuro: ESSES NÃO PERDEM POR ESPERAR".
É uma premonição? :(
Isadora
ResponderExcluirÉ tbm fico pensando nisso
Como assim não perdemos por esperar?
Parte do mundo submisso está em luta contra a tirania. Isso é muito relevante como termômetro pra vislumbrarmos o futuro. Como assim então não perdemos por esperar?
@r@pong@
Tudo o que é vivo deseja viver. Tudo o que é vivo tem o direito de viver. Nenhum sofrimento pode ser imposto sobre as coisas vivas, para satisfazer o desejo dos homens.
ResponderExcluirO bêbado e a equilibrista
ResponderExcluirCaía a tarde feito um viaduto (1)
E um bêbado (2) trajando luto (3) me lembrou Carlitos (4)
A lua (5) tal qual a dona do bordel (6)
Pedia a cada estrela fria (7) um brilho de aluguel (8)
E nuvens (9) lá no mata-borrão (10) do céu (11)
Chupavam manchas (12) torturadas (13), que sufoco louco
O bêbado com chapéu coco fazia irreverências mil (14)
Pra noite do Brasil (15), meu Brasil
Que sonha com a volta do irmão do Henfil (16)
Com tanta gente que partiu (17) num rabo-de-foguete
Chora a nossa pátria mãe gentil
Choram Marias e Clarisses (18) no solo do Brasil
Mas sei que uma dor assim pungente não há de ser inutilmente
A esperança dança na corda bamba de sombrinha
E em cada passo dessa linha pode se machucar
Azar, a esperança equilibrista (19)
Sabe que o show de todo artista
Tem que continuar
(1) O viaduto da Gameleira, em BH. Obra do governo que desabou sobre carros e ônibus, matando muita gente, porém nada foi noticiado e ninguém foi indenizado.
(2) O bêbado representa os artistas, poetas, músicos e ‘loucos’ em geral, que embriagados de liberdade ousavam levantar suas vozes contra a ditadura.
(3) Referência aos militantes de esquerda que ‘sumiram’.
(4) Charles Chaplin.
(5) A lua representa os políticos civis que se colocaram a favor do regime, a fim de obter ganhos pessoais. Eles "acreditavam" tanto na propaganda oficial que se dizia que se um general declarasse que a lua era preta eles passariam a defender tal tese como verdade absoluta. Em determinada época foram até chamados de luas-pretas.
(6) A Câmara de Deputados e o Senado foram algumas vezes comparados a bordéis devido aos negócios imorais que lá se faziam. É claro que os cidadãos indignados não podiam dizer claramente que pensavam isto, ou seriam no mínimo processados por calúnia, injúria, difamação e etc.
(7) As estrelas são os generais, donos do poder. Alguns deles nunca apareceram como governantes, preferindo manipular nos bastidores. Se contentavam com uns poucos privilégios astronômicos e umas ninharias de cargos de direção em estatais ou o poder de nomear umas poucas dezenas de parentes e correligionários em empregos públicos.
(8) O brilho de aluguel era, como mencionado acima, os ganhos pessoais e até eleitorais obtidos pelos civis que aceitavam ser marionetes. Alguns destes civis cresceram tanto que ultrapassaram em poder os seus "criadores" fardados.
(9) Os torturadores são aqui comparados a nuvens, pois eram intocáveis e inalcançáveis.
(10) O mata-borrão é um instrumento antiquado destinado a eliminar erros, borrões na escrita. O DOI-CODI, nossa temível polícia política da época era o mata-borrão do regime.
(11) As prisões eram inalcançáveis ao cidadão comum, inacessíveis, por isso a comparação com o céu.
(12) Os rebeldes são comparados a manchas, ou seja um erro na escrita, uma coisa fora da ordem, uma indisciplina.
(13) Referência à tortura aplicada aos militantes de esquerda, que ocorria às escondidas. O regime jamais admitiu que torturava pessoas, porém nunca houve punições aos casos que conseguiam alguma divulgação, apesar da censura à imprensa.
(14) Os artistas nunca se calaram. Essa música é uma das irreverências.
(15) Um tema recorrente nas músicas da época. A volta das liberdades políticas é comparada ao amanhecer, bem como a ditadura é comparada à noite.
(16) O Henfil (Henrique Filho) era um afiadíssimo cartunista político muito visado pelo regime, bem como seu irmão o Betinho, que no governo Fernando Henrique organizou o programa de combate à fome. Os dois eram hemofílicos e morreram de Aids.
(17) Referência aos exilados políticos.
(18) Maria é a esposa do operário Manuel Fiel Filho morto sob tortura nos porões do DOI-CODI (SP) em janeiro de 1976 e Clarice é a esposa do jornalista Wladimir Herzog, também morto sob tortura, no DOI-CODI (SP) em outubro de 1975.
(19) A equilibrista era a esperança de democracia, um projeto de abertura política gradual, que a cada "eleição", a cada evento que incomodava os militares, tinha sua existência ameaçada.