sexta-feira, 10 de junho de 2011

Geração AI-5 ou Geração Desarticulada

por Antônio Tadachi

Objetivo
Analisar e refletir sobre a geração lendo ou vendo, a luz dos conceitos de emissão/recepção na formação, consciência/ideologia, com perspectiva de combate/luta/confronto, discurso/debate/comunicação e conservação/libertação.







Democracia

Princípios:

Isonomia = igualdade de todos os cidadãos perante às Leis

Isegoria = garante a todos os cidadãos o direito à palavra nas decisões políticas

Do ponto de vista da teoria da comunicação, a comunicação social se dá, em geral, entre dois Emissores que são, ao mesmo tempo, Receptores. Com isto se quer dizer que nas relações sociais, os seres humanos não se vivenciam mutuamente Como Coisas, mas como pessoas portadoras de perspectivas, enquanto receptor ele é capaz de transferir-se para dentro das perspectivas do outro. Ao assumir o papel do outro, ele pode atribuir-se também um papel, tornando-se objeto de si mesmo.

A teoria da comunicação parece pressupor, em princípio, uma concordância entre emissor e receptor social e que se fundaria na transmissão, unívoca de significações, através da palavra.

Todas as vezes que a univocidade, isto é, a correta relação entre a palavra e o mundo das coisas, não ocorre, interrompe-se a comunicação.

A geração de 68 talvez tenha sido a última geração literária (receptora-lendo) do Brasil, no sentido de que seu aprendizado intelectual e sua percepção foram fundamentados na leitura.
A geração com vocação política, produto de reflexão. Uma geração (libertária) que queria mudar o mundo. (julgar/conduzir)

Que produziu uma arte política, (discurso/debate/comunicação) comprometida, uma cultura voltada para a questão social. (fazer, falar, agir, julgar, ouvir, refazer)

Analisando os jovens que se formaram depois

A Geração AI-5
Constatamos um fenômeno inverso, estes são de poucas palavras. Notamos que a desarticulação do discurso foi uma característica dos jovens de classe média urbana que, de 68/79, ficaram expostos à ‘cultura autoritária’. Foi a geração da linguagem indeterminada, ‘unidimensional’ – do barato, curtir, transar, pintar.


Expressões
bicho, caia na estrada, caretice, cocota, cooptar, dançou..., dar um role, é isso aí, falou, fazer a cabeça, gata, grilo, já era, jóia, maior barato, numa boa, pico, pacote, pantera, patrulhado, podes crer, amizade, qualquer coisa, sufoco, ta ruço, to na minha..., tou contigo e não abro, tudo em cima.


Comunicação do sistema ditatorial, através da cultura
Aquilo que é simbolizado.


Discurso irracional, emotivo, com objetivo de evitar reflexão, desqualificar o comportamento crítico do receptor. (conservação)

‘Eu te amo, meu Brasil, Eu te amo, meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil’

Comunicação do regime militar
13 de dezembro de 1968 - editado o AI-5, que decreta o fechamento do Congresso e cassa centena de mandatos. A medida permite a suspensão das garantias individuais e confisco de bens.


Discurso do Ministro do Trabalho Jarbas Passarinho na justificação do AI-5, ‘Repugna enveredar pelo caminho da ditadura’, se era inevitável, ‘as favas, senhor presidente, todos os escrúpulos de consciência’.

O discurso dominante (autorizado) é sempre expressão de um discurso institucional; são signos que, colocados como ‘uma verdade’, querem fazer-se passar por sinônimos de ‘toda verdade’. Assim, marcas do tipo ‘dever’, ‘ser preciso’, ‘é porque é’, são as mais encontradas nessa modalidade, sendo que o emissor domina o tempo de atuação e o fio dialógico. (força, condutor, ausência de reflexão, de leis, paralisar)

Foi amplo o espectro de informações sonegadas aos receptores em razão da censura imposta à imprensa, como forma de defender ou ocultar rachaduras no sistema instaurado pelo regime militar. (conduzir/paralisar o combate/luta/confronto)

O silêncio imposto pelo opressor é exclusão, é forma de dominação, que produz uma ruptura, no caso desejada. (Injunção ao dizer)

O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, ambos submetidos à censura prévia no período de 1972 a 1975. O primeiro publicava sonetos de Camões no lugar de notícias vetadas, enquanto o vespertino veiculava receitas culinárias, inventadas, absurdas.

A geração AI-5, filhos da televisão (receptora/vendo), não se parecem em nada com a libertária geração anterior.

A grande ruptura com a geração anterior, que rompeu com a cultura alienante (consciência/ideologia) que separava política e existência, arte e vida, teoria e prática, discurso e ação, pensamento e obra.

A generosidade, capacidade quase religiosa de comunhão, o impulso irrefreável para a doação. (amor/êxtase)

Em 68 havia um rádio quantitativamente poderoso e uma televisão em preto e branco diversificada, mas a TV estava longe de vir a ser o que é – Global.

Stanislaw Ponte Preta – ‘a máquina de fazer doido’

Pasquim – ‘um mundo onde não havia vida inteligente’

TV – veículo de cobertura

Humor/telejornalismo (não tinham uma linguagem própria) – transposição do rádio.

TV não concorria culturalmente, nem com o cinema, nem com o teatro, e nem tinha prestígio intelectual.

Se a geração de 68 teve uma mídia preferencial, esta oscilava entre a música e o cinema.

Modelo adequado para uma pragmática lingüística – comunicação equilibrada, onde EU-TU – TU-EU, atuam como sujeito da interação.

Discurso racional
Aquele que apela ao entendimento do outro, é a ação lingüística que pode ser aprendida e repetida. Discurso não apenas provável, mas com-provável, que depende do mútuo entendimento do emissor e receptor que discutem.


A racionalidade não emerge do acordo ou consenso sobre o que se diz, mas do mútuo entendimento sobre as REGRAS que nos permitem falar. Condição necessária é que as regras da discussão não sejam impostas de fora da SITUAÇÃO COMUNICATIVA, mas de dentro dela.

Que os discursos estejam abertos à exigência de fundamentação e haver espaço para o questionamento, que é resultado da REGRA do dever de prova.

Ditadura

Forma de governo em que todos os poderes estão nas mãos de um indivíduo, partido ou classe.
Regime de governo que cerceia ou suprime as liberdades individuais.

Discurso irracional
Aquele que não respeita o DEVER DE PROVA, que não segue as REGRAS de fundamentação, introduzindo REGRAS estranhas à SITUAÇÃO COMUNICATIVA, procurando desqualificar o comportamento crítico do receptor.


Ausência de exigência de fundamentação e de espaço para o questionamento.

De um modo geral, afirmam ter pouco ou nenhum interesse por política – (passividade, apatia, conformismo, sendo conduzidas), não usufruíram da revolução sexual e dançaram muito em discoteca. (corpo como veículo de expressão - para ser visto e não para ver)

‘Pode-se supor talvez o único aprendizado adquirido (por essa geração) tenha sido a herança da auto-repressão’. (mecanismo de defesa através do qual os sentimentos, as lembranças dolorosas ou os impulsos em desacordo com o ambiente social são mantido fora do campo da consciência).

Questão que podemos explicar pelo modo como operou o esquecimento na sua relação com a memória.

A memória, como linguagem, é construída na sua relação com o esquecimento.

O esquecimento é o que não é nomeado, simbolizado, que não se mantém na linguagem da memória.

O acontecimento de 68 no Brasil revela: o passado que não se torna passado, pela dificuldade de sua simbolização, ou pela dimensão inercial do tempo que produz o esquecimento, o não nomeado, o não incluído na linguagem e na história – as realidades inexistentes.

O que aconteceu nesse período pós 68, sabe-se muito bem e está documentado, mas é difícil verbalizar, porque foram o verbo, a linguagem, a representação os focos da interdição/repressão.

Antônio Tadachi é economista pela USP.

9 comentários:

  1. Ótimo artigo. Lúcido e esclarecedor.
    Cris Fernando

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  2. Isso mesmo que acho dessa geração 2000. Filhos da televisão, reféns da mídia aberta, admiradores da propaganda, fazedores de pre-conceitos, alienados por opção, cultuadores de um corpo perfeito que nenhum grego foi capaz de esculpir, um cabelo tão liso e tão loiro que nenhum DNA conseguiu unir. Não, não se parecem em nada com a libertária geração anterior.

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  3. Todo discurso dominante é expressão de signos que remetem o tolo a uma verdade.
    Temos a opção de não ser tolos. Ou não?
    MAX

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  4. Calma lá Jurandir. O mundo tá passando por uma mudança louca. Revolução (sic) pra todo lado. Não vai me dizer que a geração anterior foi melhor que essa. Vai? Aceito que diga que toda geração é, como direi, é... é....
    MAX

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  5. "A memória, como linguagem, é construída na sua relação com o esquecimento."
    Se isso é o que somos, não somos.
    Outra aritmética, outra matemática, outra física quântica, outra forma de viver, outro ser divisor comum, como devo ser. Não sei ser esse ser.
    Bom o artigo, mas não sei ser esse ser.

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  6. "A geração com vocação política, produto de reflexão. Uma geração (libertária) que queria mudar o mundo. (julgar/conduzir)". Sou dessa geração e pelo que me lembro éramos uma minoria cuja única vantagem era a de sermos organizados. Assim, acho excesso de generosidade a classificação de "geração libertária", contudo essa era a ordem do dia. De lá para cá, a linguagem se adaptou a uma agenda mais dinâmica e entrecruzada a espaços cada vez mais restritos e complexos, o que não significa que abandonou seu caráter transformador. Só ficou diferente.
    Tararan

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  7. Também acho que só ficou diferente. Não vejo os jovens da época da ditadura como detentores da classificação libertários, muito generalizado isso, parece até que todos os jovens de 68 estavam na ativa na luta contra a ditadura! E até onde sei a grande maioria era alienada.

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  8. Eu já acho que abandonou sim seu caráter transformador. A aceitação das coisas como elas são está mais do que nunca latente no povo brasileiro. Aí fora a gente até vê manifestações por anseios de mudanças, aqui não vejo não. Uma marcha da maconha aqui, outra lá. Uma passeata aqui outra não lá. Brasília, a Mídia, os Banqueiros, a Justiça fazem o que querem e os rumores são tão insignificantes.

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  9. Isadora concordo com voce
    Rumores tem de ser retumbantes e ecoarem como pendengas a serem resolvidas

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