Quando, no sábado passado, 12, o Globo publicou a matéria da descoberta do torturador que atuou no pior centro de torturas montado pela ditadura militar brasileira, aquele de onde nenhum ativista contra a repressão que fosse militante da luta armada saía vivo, poderia ficar mais difícil aos desinteressados da verdade persistirem em ocultar o horror e as torturas ocorridas nesse tempo. Poderia, pois o torturador descoberto nada revelou. Rancoroso, alegando debilidade física pelo câncer que o corrói, sua única declaração relevante foi: "Se alguém atirar em mim, estará me fazendo um favor".
Esse centro de torturas, em Petrópolis/RJ, era chamado de a Casa da Morte.
A existência desse lugar já foi abordada em outros artigos, mas sempre acobertada sua veracidade.
Em 1992, a Veja trouxe a matéria: "Autópsia da sombra. O depoimento terrível de um ex-sargento que transitava no mundo clandestino da repressão militar resgata parte da história de uma guerra suja". O ex-sargento, Marival Dias Chaves do Canto, mais conhecido por Chaves, foi o primeiro ex-agente dos órgãos de informação do Exército a contar tudo o que sabe, com minúcias esclarecedoras, do horror dos porões da ditadura militar.
Trecho da entrevista
Como eram mortos os presos políticos?
- Sei que em São Paulo alguns morriam na tortura. Os que resistiam eram liquidados pelos agentes da repressão política com uma injeção usada para matar cavalos de até 500 quilos. A injeção era aplicada na veia do preso político, que morria na hora. Quem já assistiu a uma cena dessas sabe que é uma das coisas mais grotescas e repugnantes que se pode fazer a um ser humano. Eles matavam e esquartejavam. Agentes que estiveram numa casa mantida pelo Centro de Informações do Exército em Petrópolis, no Rio de Janeiro, me contaram que os cadáveres eram esquartejados, às vezes até em catorze pedaços, como se faz com boi num matadouro. Era um negócio terrível. Eles faziam isso para dificultar a descoberta e a identificação do morto. Cada membro decepado era colocado num saco e enterrado em local diferente. A casa de Petrópolis foi onde o Centro de Informações do Exército que mais matou presos e ocultou cadáveres. Os militantes detidos em diversas regiões do país eram enviados dos estados diretamente para Petrópolis.
Quantas casas de tortura e morte eram mantidas pelo Centro de Informações do Exército?
- Do final da década de 60 até o início dos anos 70, havia uma casa no bairro de São Conrado, no Rio. Depois, por razões de segurança, mudou-se o centro de tortura e morte para Petrópolis. Eram levados para lá os presos condenados à morte, mas alguns conseguiram sobreviver. Em 1972, o II Exército, em São Paulo, montou os seus centros clandestinos de tortura e assassinatos. Durante um curto período, o Destacamento de Operações de Informações, o DOI, utilizou um sítio na região sul de São Paulo.
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Trecho da matéria do Globo do dia 12 de fevereiro, de Chico Otavio e Thiago Herdy
Descoberto, algoz de amigo de Dilma reluta em revelar segredos do pior centro de torturas montado pela ditadura
Em poucas frases, doutor Ubirajara destila o azedume. Para não revelar o que sabe, alega que está morrendo, vencido por uma moléstia grave. Reclama de um suposto dedo-duro, prometendo “rezar por ele, pela maldade que fez” ao delatar o seu paradeiro. E arremata a conversa com sarcasmo:
- Se alguém atirar em mim, estará me fazendo um favor.
Aos 74 anos, os cinco últimos dedicados a enfrentar um câncer de próstata, o ex-sargento do Exército e advogado Ubirajara Ribeiro de Souza rechaça, agoniado, a chance de revelar um segredo que carrega há quatro décadas: o destino de Carlos Alberto Soares de Freitas, o Beto, amigo e ex-comandante de Dilma Rousseff nos tempos em que a presidente da República era militante da VAR-Palmares, organização da luta armada atuante no início dos anos 1970.
Listas de entidades de direitos humanos apontam o ex-sargento como um dos torturadores do pior porão montado pelo regime militar: a Casa da Morte, em Petrópolis.
Por ter sido, como a vítima, jogador de basquete em Belo Horizonte, no início dos anos 1960, Ubirajara teria sido reconhecido por Beto na Casa da Morte, aparelho supostamente montado pelo Centro de Informações do Exército (CIE), naquela época, para torturar e eliminar os principais líderes da guerrilha urbana, considerados irrecuperáveis. O comandante da VAR teria sido assassinado ali em 1971.
O episódio da identificação do torturador ficou conhecido por causa do depoimento da única sobrevivente da casa, a também ex-militante da VAR e mineira Inês Etienne Romeu. Em 1980, ela contou à OAB que o sargento-jogador, reconhecido por Beto, usava no cárcere do CIE os codinomes “Zé Grande” ou “Zezão”.
Ex-sargento advoga hoje para a família militar
Quarenta anos depois, o enigma sobre “Zé Grande” chega ao fim: ele é hoje doutor Ubirajara, advogado formado em 1974 (quando a repressão mais sangrenta perdia a força), que trabalha e vive no Rio. Sua clientela foi amealhada no meio de onde saiu: militares da reserva e viúvas que se sentem credores de algum benefício das Forças Armadas.
No momento em que o Ministério Público Federal retoma as investigações sobre a Casa da Morte e o paradeiro das vítimas em cemitérios da Região Serrana, a localização do ex-sargento é um alento para os que nunca perderam a esperança. Se o Brasil amarga até hoje uma lista de 146 desaparecidos, é plausível dizer que o destino final de parte do grupo (não existe um número exato) tenha sido Petrópolis.
Beto está na lista. Há um ano, quando o PT formalizou o nome escolhido para disputar a sucessão de Lula, Dilma fez um discurso emocionado, no qual homenageou os companheiros que haviam perdido a vida na luta contra o regime militar. Citou três nomes. Um deles, de seu ex-companheiro na VAR: “Beto, você ia adorar estar aqui conosco.”
Carlos Alberto desapareceu no dia 15 de fevereiro de 1971, depois de descer de um ônibus na esquina das avenidas Nossa Senhora de Copacabana e Princesa Isabel. Provavelmente capturado pela repressão no mesmo dia, teria seguido para a Casa da Morte por ser considerado um subversivo irrecuperável.
Inês Etienne, ao descrever os 15 carcereiros responsáveis pelos suplícios que sofreu em Petrópolis, de maio a agosto de 1971, impressiona pelo rigor dos detalhes, dos nomes, das características físicas. De sua memória, o sargento Ubirajara é revelado para a História: “Alto, mais de 1,90 metro, mineiro, preto, ex-jogador da seleção mineira de basquete, ocasião em que era sargento do Exército.”
Pois é, minha gente. Esse Ubirajara aí é mais um dos vão morrer sem nunca receber o julgamento por seus assassinatos praticados. Ou nosso governo corre para revelar essa história, ou prevalecerá para sempre a histórial mal contada.
ResponderExcluirQue isso, pessoal. Ele fez uma declaração importantíssima: Se alguém atirar em mim, estará me fazendo um favor.
ResponderExcluirCom esse pedido ele confessa seus crimes e cumpre mais uma vez a justiça medonha que ele, por toda vida, executou, a pena de morte.
Quanta barbaridade aconteceu nesse Brasil da ditadura. Depois tem que diz que foi uma ditabranda. Seria dura se tivessem separado os corpos em 28 pedaços ao invés de 14?
ResponderExcluirFaça-me o favor de calar a boca quem precisa de muito sangue para dar dignidade ao contar qualquer que seja um período de luta.
Marcela
O cara advoga !
ResponderExcluirAh dá um tempo...
Que porcaria é essa ?
Como pode um assassino que se esconde até de si mesmo estar por aí exercendo no judiciário ?
Quem vai me convencer de que ninguém sabe de seu passado e o considera doutor ?
Valeu galera.
ResponderExcluirMais uma vez parabéns.
Já tinha lido a matéria no Globo e não me acrescentou nada. Já aqui a coisa toda fez mais sentido com mais informações e uma certa ousadia discreta... hehehe
Abrações !!!
Afonso vc é massa.
ResponderExcluirMas como sou contra a pena de morte...
Alguém por gentileza poderia praticar uma eutanasia básica nesse pobre moribundo carente de viver sua além vida no inferno lugar que ele conhece muito bem já que infernizou muuuuuuito essa terra?
Falo de coração. Sempre desejo o melhor aos meus inimigos.
Ouve-se cada coisa nessa vida q dá vontade de rir se não fosse trágico.
ResponderExcluirEssa de levarem os militantes políticos para a Casa da Morte, para morrerem como ficou claro no artigo, por serem considerados subversivos irrecuperáveis, é de uma obscenidade intelectual q dói na mente até do mais ignóbil ser desse planeta.
@r@pong@
Em 2003 na telona passou um filme chamado a casa da morte, cuja chamada era: PARA ENTRAR FOI FÁCIL, O DIFÍCIL VAI SER SAIR. Qualquer semelhança com a casa de Petropólis não é mera coincidência.
ResponderExcluirMAX DANIEL
pena que a presidente de vcs tenha escapado da casa
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