sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Mães Argentinas: 34 anos buscando os desaparecidos

por Jadson Oliveira

Mirta Barravalle: uma das 14 mães que fizeram a primeira quinta-feira de protesto em 30 de abril de 1977.
Eram as "loucas" da Praça de Maio.

No dia 30 de abril de 1977, uma quinta-feira, um grupo de 14 mães, desesperadas, foi à Praça de Maio, em frente ao palácio do governo (Casa Rosada), em Buenos Aires, protestar e pedir informações sobre seus filhos que tinham sido seqüestrados pelos agentes da última ditadura militar (1976-1983). Uma tremenda temeridade!
Os argentinos vivia
m sob o império do terrorismo de Estado, comandado pelo então general Jorge Rafael Videla (hoje cumprindo pena de prisão perpétua por crimes de lesa humanidade). Os policiais as empurravam para se afastarem do palácio e ordenavam, como costumam fazer em épocas de tirania diante de “reuniões” públicas: “Circulem… circulem…


As "madres" da Linha Fundadora deram origem ao extraordinário movimento que desafiou a ditadura argentina no auge do terror.

As mães então começaram a circular em redor da pirâmide que fica no centro da praça, rodeadas por forte aparato militar. Circularam naquela quinta-feira e voltaram na quinta-feira seguinte. E depois na outra quinta, e na outra, e na outra. Queriam porque queriam ao menos notícias de seus filhos queridos, sumidos nas trevas do terror. Já não eram 14, e sim centenas. Se tornaram as Mães da Praça de Maio (Madres de Plaza de Mayo). E não pararam mais de circular, mesmo quando três delas – Azucena Villaflor, presidenta da entidade, Esther Ballestrino e María Ponce – foram também sequestradas e também desaparecidas. (No dia 18/11/2010 elas comemoraram 1.700 manifestações na praça, 1.700 quintas-feiras).


As "rondas" já são mais de 1.700: sempre às quintas-feiras e sempre ao redor da pirâmide.

Eram “as loucas” da Praça de Maio. Poucos podiam ou tinham coragem de apoiá-las, os democratas (os ainda vivos e/ou ainda em liberdade) rareavam, os combatentes e organizações da esquerda, a maioria peronistas, estavam sendo dizimados, a Igreja Católica, enquanto instituição, estava do outro lado – quando as “madres” chegavam à praça, as portas da Catedral Metropolitana, que está na mesma praça, eram fechadas -, os grandes jornais, as emissoras de rádio e TV, também estavam alinhados com a ditadura.


Nas comemorações especiais centenas de militantes, das mais diversas entidades, engrossam as manifestações das "madres".

Mas as “loucas” insistiram. Hoje, quase 34 anos depois, as “madres” – às quais se somaram as “abuelas” (avós), os “hijos” (filhos) e os familiares dos desaparecidos – continuam a circular em torno da pirâmide da Praça de Maio todas as quintas-feiras, a partir das 3 horas da tarde. Com o lenço amarrado na cabeça, símbolo do movimento, muitos com os dizeres: “Aparición con vida de los desaparecidos”, exibem nos broches e cartazes as fotos, nomes e datas do sequestro de seus parentes assassinados.

Continuam a circular mesmo que a ditadura tenha sido derrubada há pouco mais de 27 anos e que muitos repressores/torturadores estejam na cadeia: só no ano passado a Justiça proferiu 110 condenações e cerca de 800 acusados estão na fila do banco dos réus, a maioria já com prisão preventiva. Mesmo depois de se tornarem uma referência internacional quando se fala de defesa dos Direitos Humanos. Seu êxito político é fantástico, não é à toa que uma gorda fatia da agenda da presidenta Dilma Rousseff, na sua recente visita à Argentina, foi dedicada às “madres” e “abuelas”.


Marcha da Resistência para comemorar o Dia Internacional dos Direitos Humanos.

E há números significativos: a organização não governamental Equipo Argentino de Antropologia Forense (EAAF), das mais de 1.200 exumações feitas, já conseguiu identificar os corpos de 446 desaparecidos (sem incluir identificações realizadas por outras vias), conforme informação de Daniel Bustamante, investigador do EAAF. (O número sempre mencionado de desaparecidos é em torno de 30 mil. Claro que é uma estimativa. Há registro oficial de cerca de 10 mil); quanto aos bebês roubados das presas políticas, cuja estimativa chega ao redor de 500, 102 já tiveram sua identidade restituída, segundo dados computados por Abuelas de Plaza de Mayo.


Sara Holmquist perdeu seu irmão: "Ele era secundarista. Nunca tivemos notícia dele".

Alerta, alerta, alerta, que estão vivos todos os ideais dos desaparecidos” é um dos gritos de guerra mais freqüentes nas quintas-feiras, em meio aos cantos, poemas e discursos, principalmente quando as manifestações ganham maior dimensão em datas especiais, como no último 9 de dezembro, quando as “madres” comemoraram o Dia Internacional dos Direitos Humanos (elas anteciparam um dia, porque na data oficial, dia 10, houve muitas comemorações promovidas pelo governo federal). A imagem mais eloquente do ato – foi a 30ª. Marcha da Resistência – era uma imensa faixa (lembrando uma serpente, aqui é chamada de “bandera”), contendo cerca de 3.500 fotos e nomes de desaparecidos, carregada pelos manifestantes – de umas três quadras da Avenida de Maio até a Praça de Maio. Outras consignas repetidas na praça: “Que digam onde vão com os desaparecidos”, “Paredão para todos os milicos que venderam a Nação”.

Mirta Barravalle, de 86 anos, é uma das 14 “madres” que protagonizaram a histórica “ronda” de 30 de abril de 1977. No último dia 3, quinta-feira, ela estava mais uma vez na praça, com um grupo de manifestantes circulando a pirâmide, tendo à frente a faixa Mães da Praça de Maio – Linha Fundadora. Depois relembrou os tempos difíceis em que eram chamadas de “loucas” e poucos lhes davam atenção: “Os policiais afastavam a gente do passeio do palácio, empurravam para fora da praça, a Catedral nos fechava as portas…” Pendurado no pescoço, um pequeno cartaz com as fotos e os nomes da filha e do genro, Ana Maria Barravalle e Julio Cesar Galizzi, sequestrados em 25 de agosto de 1976. “Este ano vai completar 35 anos de busca, sigo buscando, até hoje nada, minha filha estava grávida de cinco meses, o bebê até hoje também não encontrei”, diz ela.


Cristina Dithurbide (à direita, com a amiga Margarita Noia): "Eram militantes Montoneros, é preciso dizer isso, porque é a identidade política deles".

Já Sara Holmquist, de 65 anos, da província (estado) de Tucumán (noroeste do país), participa sempre de atos de protesto pelos desaparecidos, em memória de seu irmão, Luis Adolfo, sequestrado em 29/05/76. Aponta para o enorme cartaz pendurado no pescoço: “Ele era secundarista, era da UES (União dos Estudantes Secundaristas), se estivesse vivo teria hoje 54 anos. Nunca tivemos notícia dele”. E Cristina Dithurbide exibe seu broche com o retrato do casal Roald Montes e Mirta Noemí, na época com 28 e 19 anos. Mirta era sua irmã. “Os dois foram assassinados em La Plata (capital da província de Buenos Aires) em 22 de novembro de 1976, junto com mais quatro companheiros. Eles eram militantes Montoneros, é preciso dizer isso, porque é a identidade política deles”, explica. (Montoneros era uma organização de guerrilha urbana, da esquerda peronista, muito ativa nos anos 60 e 70).


Manifestação da Associação das Mães da Praça de Maio, liderada por sua presidenta Hebe de Bonafini.

Também as “madres” que atuam aglutinadas na Associação das Mães da Praça de Maio (há cinco entidades relacionadas com as “madres”, veja nota abaixo) vão sempre às quintas-feiras à Praça de Maio. Seus membros, no entanto, já não se dedicam à busca dos desaparecidos. Têm, na verdade, uma atuação bem mais ampla e diversificada, com uma fundação, a Universidade Popular, publicações próprias, biblioteca e até um projeto de construção de casas populares. Sua presidenta, Hebe de Bonafini, é atualmente uma líder política de grande influência e está, inclusive, engajada na campanha para reeleição da presidenta Cristina Fernández de Kirchner. Na quinta, dia 3, ela estava à frente de um grupo de manifestantes, falando de suas atividades e da política nacional. A principal faixa dizia: apoiamos o projeto nacional e popular, que é atualmente a proposta central do kirchnerismo (ou peronismo kirchnerista).


As “madres” são cinco entidades.
Uma das entidades que, apesar de menos conhecida, tem uma atuação que se soma ao trabalho das "madres" e "abuelas".

Fala-se muito das “madres” (mães) e também das “abuelas” (avós) da Praça de Maio, relacionadas com a busca dos presos políticos assassinados pela ditadura argentina e também com os bebês retirados das mães. A ideia que passa é que se trata de uma única organização. Mas há, na verdade, cinco entidades envolvidas em atividades às vezes convergentes e às vezes nem tanto, certamente de difícil percepção para a maioria das pessoas, especialmente quando são estrangeiras.

Das cinco entidades, a de maior volume de atividades e maior inserção na política argentina, a Associação das Mães da Praça de Maio, não cuida da busca dos desaparecidos, embora esta busca tenha sido a ação inicial de todas as “madres”. A associação tem outros objetivos, conforme menciono acima. A ela estão ligadas a Universidade Popular Mães da Praça de Maio e a Fundação Mães da Praça de Maio.

Quem continua cuidando da busca dos desaparecidos e, em decorrência, atuando em prol do julgamento e punição dos repressores, é, como o próprio nome indica, Mães da Praça de Maio – Linha Fundadora. Uma terceira entidade é Avós da Praça de Maio, que tem uma atuação semelhante, mas com ênfase na busca e identificação dos bebês roubados das presas políticas.

E há mais duas entidades, cujos membros muitas vezes participam de manifestações comuns: H.I.J.O.S. – Hijos y Hijas por la Identidad y la Justicia contra el Olvido y el Silencio (Filhos e Filhas pela Identidade e a Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio); e Familiares de Desaparecidos e Presos por Razões Políticas.

Fotos: Jadson Oliveira
http://www.fazendomedia.com/madres-argentinas-34-anos-buscando-os-d...

13 comentários:

  1. Fiquei emocionada.
    Que movimento consistente e perseverante dessas mulheres, mães, avós, filhas. A ação delas é mais que exemplo para o mundo. É a expressão máxima da vida, dos direitos humanos.

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  2. Sherazade ficou firme Mil e Uma Noites já as Madres de Plaza de Mayo estão firmes a Mil e Setecentas Quintas-feiras, fazendo história de verdade. Lindas e para sempre inesquecíveis.

    Matheus

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  3. É, ditaduras acabam mas deixam obscuras suas ações.
    Perfeito o grito dessas mães: Alerta, alerta, alerta, que estão vivos todos os ideais dos desaparecidos.

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  4. De loucas elas não tem nada.
    Loucas são as pessoas travestidas de ditadores que pensam que assim podem manipular uma nação pondo em exercício suas psicoses.

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  5. Concordo com vc Waldemar
    Esquisofrênicos é o que são esses repugnantes sujeitos doentes que se travestem de libertários, camuflam a tirania e se proclamam deuses da voz da verdade. Enojantes fracotes que precisam do poder para dissimular seus pesadelos.

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  6. A mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original. As dessas mães devem ser maravilhosamente estensas.
    R@Y

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  7. Estou assistindo agora Coração Valente na TV, sei que a crítica considera esse filme um dos mais sanguinolentos já produzidos. Eu não acho. O sangue está na medida certa. Mas porque estou falando disso aqui e agora. É que o filme trata do mesmo assunto aqui citado. Liberdade. Tirania. Tem uma cena no filme que mostra exatamente a força dessas mães, quando o filho do tirano assume sua inferioridade diante de William Wallace, invejando o que Wallace tem e o que ele jamais teve e ambiciona ter, um ideal pelo qual lutar, um ideal pelo qual viver. Essas mães argentinas tem seus corações valentes.

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  8. Que labuta árdua. Mas elas vão conseguir resgatar seus desaparecidos. Assim como no Brasil esse resgate por seus desaparecidos também vai acontecer. Acredito muito.
    Felicidade foi muito feliz no seu comentário, corações valentes nunca descansam. (Débora)

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  9. A força tá no vento forte do bem de quem quiser levar
    Guerreira, segue teu caminho livre, levando a bandeira

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  10. Esse assunto me deixa numa mistura de alegria e dor.
    Alegria por saber dessas mulheres incansáveis, que por suas atitudes, fizeram muito do que poderia estar enterrado e sem nomes tornar visível e reconhecido.
    Dor, bem, nem preciso falar, basta se sentir como elas, há 1.700 vezes gritando o mesmo nome. O nome do filho, do marido, do irmão, do amigo desaparecido.

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  11. 34 anos
    sem justiça
    uma pena pérpetua
    já os algozes
    desfrutam eternamente
    a liberdade

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  12. MULHERES MARAVILHOSAS PARA SEMPRE JOVENS
    GOSTEI DO COMENTÁRIO DA FELICIDADE
    MULHERES DE CORAÇÕES VALENTES

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  13. Estou com o Afonso
    Nem sei se quero comentar. É tão dolorida a perda de um filho pelas mãos de assassinos. É, depois eu falo mais...

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