terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Primeiro desaparecido da ditadura pode ser localizado

Buscas pelos restos mortais de Virgílio Gomes da Silva, militante político contra a ditadura, serão retomadas ainda este mês, no cemitério de Vila Formosa. 

O desfecho para a angústia que atinge os familiares do dirigente da Ação de Libertação Nacional (ALN), Virgílio Gomes da Silva, pode estar próximo do fim. A descoberta de uma vala clandestina no final do ano passado no cemitério de Vila Formosa reacendeu as esperanças para a localização de seus restos mortais. As buscas pela ossada do ativista político, interrompidas em dezembro, serão retomadas a partir de 14 de fevereiro.

Virgílio encabeça a lista de desaparecidos políticos da ditadura militar. O comandante Jonas, como era conhecido pelos companheiros da ALN, está desaparecido há quase 42 anos. Preso em 29 de setembro de 1969 por agentes da Operação Bandeirantes (Oban), o embrião do famigerado DOI-Codi paulista, foi trucidado pelos militares no mesmo dia.

O sequestro do embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick

Os órgãos de repressão nutriam ódio particular por ele. Virgílio comandou uma das ações mais espetaculares contra a ditadura. O sequestro do embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick, em 4 de setembro de 1969, rendeu notoriedade internacional ao grupo guerrilheiro e nocauteou momentaneamente a ditadura.

A operação foi um golpe de mestre. De uma só tacada, obrigou os militares a reconhecerem publicamente a existência da tortura no Brasil, além de conseguir a libertação de 15 ativistas políticos que estavam presos nos porões do regime.

Os generais foram obrigados a aceitar as exigências feitas pelos guerrilheiros, para obterem a soltura do embaixador. Um manifesto redigido pelo jornalista e ex-ministro do governo Lula, Franklin Martins, que também participou da ação, denunciando a violência praticada pelos militares e contendo os nomes dos 15 presos políticos que deveriam ser libertados em troca do embaixador norte-americano foi lido nos meios de comunicação televisivo e radiofônico, além de ter sua publicação impressa nos jornais.

Forças repressivas

A ousadia revolucionária, no entanto, sofreu um revés após a libertação do norte-americano. A retumbante derrota imposta pelos guerrilheiros à ditadura intensificou a ira das forças repressivas. A caçada contra esses ativistas não cessou. Os militares estavam ávidos por dar uma resposta contundente à desmoralização sofrida pelo sucesso da operação compartilhada pelos guerrilheiros da ALN e do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8).

O comandante que colocou em xeque o poder dos generais durante dias foi convertido no principal alvo da fúria da caserna. Sua captura era questão de tempo. Vinte cinco dias após o sequestro do embaixador, Jonas caiu. A sanha de seus algozes ordenava punição exemplar. Nenhum de seus ossos foi preservado. Dos órgãos vitais, o único que restou intacto foi o coração, os demais foram dilacerados pelas brutais torturas a que foi submetido.

Mesmo assim, os militares consideravam pouco. Matar Virgílio não bastava, era preciso impor punição duradoura à família do guerrilheiro que desmoralizou a ditadura. Por isso, seu corpo nunca foi entregue. O comandante Jonas foi vítima do método de sofrimento prolongado, utilizado pelos militares, que foi propagado centenas de vezes ao longo dos anos de chumbo.

Mais de 400 ativistas políticos continuam desaparecidos ainda hoje no país

Segundo o representante do Fórum de Ex-Presos Políticos, Ivan Seixas, além de Virgílio, estão enterrados no cemitério de Vila Formosa, mais nove ativistas que combateram a ditadura militar. Alceri Maria Gomes da Silva, da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Antônio dos Três Reis de Oliveira, da ALN, Antônio Raymundo de Lucena, da VPR, Devanir José de Carvalho, do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), Edson Neves Quaresma, da VPR, Joelson Crispim, da VPR, José Idésio Brianezi, da ALN, José Maria Ferreira de Araújo, da VPR e Sérgio Roberto Correa, da ALN.

Pelo menos três deles foram enterrados com nomes falsos. Joelson foi sepultado no terreno 677 da antiga quadra 57, como Roberto Paulo Wilda, José Maria, como Edson Cabral Sardinha, na sepultura 119 da antiga quadra 11 e Edson, no terreno 66 da antiga quadra 15, com o nome de Celso Silva Alves. A maioria dos demais ativistas foi enterrada na quadra 57. Alceri na sepultura 849, Antônio de Lucena na 253, Antônio de Oliveira na 848 e José Idésio na 620. Devanir foi enterrado no terreno 273 da quadra 19 e Sérgio e Virgílio na quadra 50, atual 47, nas sepulturas 1.038 e 1.147 respectivamente. Ambos foram sepultados como desconhecidos. Sérgio sob o número 3.700 e Virgílio sob o número 4.059/69.

Para Ivan, a localização dos desaparecidos da ditadura é um objetivo que deve ser trilhado sem trégua. “Temos de lutar pela abertura de todas as valas clandestinas e o Estado tem a obrigação de identificar essas pessoas”, ressalta.

artigo de Lúcia Rodrigues

8 comentários:

  1. Acompanho esse enredo desde o início das buscas, sempre interrompidas, tomara que desta vez chegue a um final para a paz da família de Virgílio e para nós brasileiros que acreditamos que tudo tem jeito nesse mundo, é só querer.
    Cris

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  2. Nossa, trucidado pelos militares no mesmo dia da sua captura... Isso, lido assim, num fôlego só, me deu um nó na garganta. Torço para a paz de todos envolvidos nesse caso.

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  3. Quanto mais conheço sobre o assunto ditadura mais me enoja como o regime atuava. Que gente ruim, credo. Matar Virgílio então não bastava, precisaram impor essa punição duradoura à família e para isso nunca entregaram seu corpo. É, para eles realmente não bastava o sofrimento prolongado que impingiram a Virgílio até sua morte, a maldade sempre se supera. (Débora)

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  4. Pena que mais comandantes como Jonas não colocaram em xeque o poder dos generais, quem sabe a ditadura tivesse durado menos tempo e por conseguinte tanta tortura, tanta dor, fosse poupada. Mil vivas a Jonas que como muitos outros dedicaram sua vida pela liberdade de uma nação.
    ALEX

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  5. Essa eu não sabia que graças a atitude de sequestrar o embaixador americano é que finalmente os militares foram obrigados a reconhecer publicamente a existência da tortura no Brasil. Golpe de mestre mesmo. Esse menino Virgílio fez a diferença. Meus respeitos a ele, a sua família e a todos os brasileiros com valores de liberdade!
    Emanuel F.

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  6. Ótima a matéria. Eu também não sabia até agora da importância desse militante político que por tantas outras vezes eu já tinha ouvido falar da busca por sua ossada em vila formosa. Não estou dizendo que outros não são importantes, mas me parece que Virgílio Gomes da Silva foi um marco - já que suas ações arrojadas levaram os repressores a tornar público o que eles estavam produzindo nos porões da ditadura, torturas e cadáveres, e finalmente tornar visível à população que o regime, que muitos até apoiaram, era cruel e hipócrita.

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  7. Acho q tem muito chão para ser cavoucado para desenterrar toda essa época de tantas ocultações, nao só de corpos mas de fatos.

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  8. É tanto o calor que não consigo pensar direito. Hoje estou estranho.
    Fico com o comentário do Anônimo antes de mim. Quantas pás serão necessárias para desenterrar esse passado e transformar a aflição da família e dos amores dos 400 desaparecidos em paz?

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