domingo, 10 de abril de 2011

Sobre a diferença entre democracia e liberdade

por Ana Helena Tavares

Democracia é uma praça cheia de gente

Pessoas de todos os sexos, etnias e credos, que, dentro dos limites de uma Constituição representativa, que cria parâmetros e norteia, não têm medo de expressar suas opiniões e, ainda assim, convivem em harmonia, tolerando pacificamente o contraditório.

Seja a Cinelândia, das passeatas com milhares, seja aquela pracinha de sua cidade interiorana. Lá na velha Athenas, foi assim que a palavra democracia foi criada: para ser abrigada num púlpito público, localizado no centro da pólis (denominação dada às antigas cidades gregas que deu origem ao nome política), cujo objetivo era dar voz a todos, sendo respeitada a vontade soberana da maioria. Vale o que mais de 50 por cento acham bom.

Esta vontade, muitas vezes, pode ir contra nossa vontade. Quem mora, por exemplo, num condomínio, sabe bem o que é não ser livre para alterar a fachada de sua varanda. Mas, ao coro dos insatisfeitos, resta contentar-se e conseguir convencer os outros de suas idéias. Dá trabalho, claro. Ser déspota é imensamente mais fácil, porque prosperar numa democracia requer gasto de saliva e talento para o diálogo – palavrinha mágica.

Quanto mais vemos os outros sofrerem, mais gostaríamos que o mundo fosse assim: pessoas dialogando em paz. É, por assim dizer, um ato solidário, conflitante com o ódio (de desapego a si e à sua vontade, quando esta perde). E disto só os tiranos opressores têm medo. E como o mundo está cheio deles! Há até aqueles que querem discursar nas praças de outros países…

Liberdade é uma estrada rumo ao infinito

Quando este rumo é roubado, tudo parece cansaço. Mas a liberdade é um raio de sol, onde nos apegamos e nos refazemos. É um oásis alucinógeno que nos faz caminhar sedentamente até ele. Mas, se acaso lá chegássemos, e nos deparássemos com muitos lagos, viria de certo a forte dúvida: em qual beber?

Liberdade não tem norte e é conflitante com o amor

Senão vejamos… Consta que John Lennon, autor da frase – “Amo a liberdade, por isso deixo tudo o que amo livre” – morria de ciúmes de Yoko Ono. E o que é o ciúmes senão o medo de perder o que se ama? E como amar sem ter ciúmes? E o que é o amor senão um “prender-se por vontade”? Seja a alguém, a algo ou a uma terra, quem ama cuida e quem cuida cria laços, elos de uma corrente imaginária mais forte do que as físicas.

Mas liberdade é também ter o direito de escolher a quem ou a que se prender. O problema nas ditaduras é que quem escolhe isso não é nem você nem a maioria – é a minoria “iluminada” e embebida de ódio. Tiranos têm raiva da própria incompetência e temem a democracia porque sabem que não conseguiriam se destacar não fosse pela força. Seu medo é gerado pelo ódio.

E o ódio nada mais é do que uma vontade de ter “licença para matar” ou destruir. O agente secreto da rainha inglesa tinha, mas seguia ordens.

Liberdade é um faroeste sem xerife

É, no fundo, uma utopia. Não creio que tenha havido na história da humanidade alguém totalmente livre de amarras afetivas e sociais. Até os mais libertários revolucionários não estão a salvo de influências externas. Nesse sentido, a busca pela liberdade talvez se configure numa desesperada tentativa de fuga. Às vezes, uma fuga de si mesmo.

Como se pudéssemos enganar nossas dores, a liberdade é um querer intenso, que, quanto mais sofremos, mais queremos. É, por assim dizer, um desejo solitário (de desapego ao magnetismo do que está à sua volta), pois dá asas a todas as vontades individuais, sem observar as dos outros (tantas vezes conflitantes) arcando com o caos que isto pode gerar.

E, por mais saciado que este desejo nos pareça, sempre desejaremos mais liberdade. Este é o desejo de todos os desejos: desejar mais e mais. Porque, se não houver o que desejarmos, que graça tem o mundo? Apenas tédio e inércia.

Mas o problema é: o que desejar? Muitos não sabem nem querem saber. A prisão, não a física, mas a mental é cômoda. Libertar-se é perigosíssimo. E disto todo ser humano tem medo.

Eu tenho. É o novo ao seu alcance. É o mergulho no desconhecido. É a anarquia. “Graças a Deus”, diria Zélia Gatai, uma anarquista de carteirinha que passou a vida defendendo a democracia. E que lindo era o amor dela pelo nosso Amado.

Sim, é preciso amar para ser democrata, mas a liberdade plena, como utopia que é, conflita tanto com o amor como com o ódio.

Senão vejamos… O ódio, expresso em palavras ou atos, num regime (verdadeiramente) democrático, te levará à cadeia; num mundo livre (caso existisse) te levaria a ser morto. É a (falta de) lei da selva.

O amor num mundo livre? Só quando a humanidade for reinventada.

Sugestão? Ame numa democracia.

Ana Helena Tavares: texto que escrevi como apresentação pro meu novo site: “Quem tem medo da democracia?

16 comentários:

  1. Muito bem Ana Helena. Na simplicidade de certas explicações a gente se acha. Amor é mesmo uma coisa usada tão vulgarmente que as vezes me dá pane total reverenciá-lo. Mas vou tentar. Afinal não vou estar aqui quando a humanidade for reinventada. Não terei tempo para ver. Embora tento me reinventar todo o tempo, não convivo com outros que tentam.

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  2. Estava eu há pouco pensando em como é difícil exercer a democracia real e eis que entro aqui e encontro a frase "Prosperar numa democracia requer gasto de saliva e talento para o diálogo". Pois é, lá vou eu... kkkkkk... Faço um bom bochecho com hortelã e rasgo na palavra. Os que não querem ouvir que lavem seus ouvidos com erva sidreira pra se acalmarem. Eu não calo.

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  3. Amar, verbo intransitivo, que tem sentido completo, não precisa de complemento para formar o predicado.
    No entanto AMAR O PAIS EM QUE VIVEMOS precisa sim de complemento.
    Que o país nos ame também.
    A forma do Brasil demonstrar esse amor recíproco é mostrar o predicado.

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  4. Sim
    Sempre desejaremos a liberdade
    Desejo de todos os desejos
    O mais pleno de todos
    Nele nos sentimos vivos
    Qual cão, por melhor alimentado que seja, na cama mais confortável possível, veterinário ao seu dispor, afago uma vez ao dia, se preso a uma coleira é um ser vivo?

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  5. "Liberdade é uma possibilidade de ser melhor, enquanto que escravidão é a certeza de ser pior." (Albert Camus)

    ALEX

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  6. Já que ALEX citou uma frase vou nessa...
    "O homem nasceu livre, e em todos os lugares ele está acorrentado."
    (Jean-Jacques Rousseau)

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  7. Liberdade é mais do que ter o direito de escolher a quem ou a que se prender.
    Liberdade faz parte do corpo da gente e se manifesta como estro.
    Problema está que algumas pessoas não sabem que tem. Só sentem fome e sede. Nada mais.

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  8. Concordo com a autora quando diz que não podemos enganar nossas dores, a liberdade é um querer intenso, que, quanto mais sofremos, mais queremos. Só queria, nessa vida, não sofrer tanto. Sinto-me uma alienigena em meu planeta. Ou não é meu? Mania de posse.

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  9. A liberdade é defendida com discursos e atacada com metralhadoras. Carlos Drummond de Andrade quem disse.
    :/

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  10. Liberdade significa responsabilidade, por isso que temos medo dela. É como parir um ser deformado.

    Ana Clara

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  11. Queria agradecer ao grupo, pois adorei ter esse meu texto publicado aqui e adorei os comentários. Sucesso pra vocês!

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  12. Ana Helena...
    Nós que a agradecemos.
    Compartilhar textos bons como o seu torna nosso blog mais interessante.
    Os comentários são mesmo ótimos. Essa galera que participa aqui é atinada e muito especial.
    Ana, será um prazer recebê-la no Teatro Coletivo onde apresentaremos em maio a peça Os filhos da Dita. No topo do blog tem um banner com todas as informações.
    Beijos e até...

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  13. Gostei do texto da Ana Helena.

    No entanto me impactei um bocado com a citação:

    "... a liberdade é um querer intenso (...) um desejo solitário, de desapego ao magnetismo do que está à sua volta, pois dá asas a todas as vontades individuais, sem observar as dos outros (...)"

    Entendo que o pavio do sentimento da liberdade é imo, mas a não observância ao coletivo me parece um tanto estranho. Somos coletivo. Se não formos corremos o risco de sermos esquisofrenicos ou algo pior como egocentricos.

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  14. AH! esqueci de agradecer a Marisa por me considerar especial... hehehehehe... Acho que ela tava falando também de mim... Ou não? hehehehe...

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  15. Oia! Tô dentro desse seleto quadro de especiais. Finalmente reconheceram meu valor. kkk

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  16. Ana Helena. Adorei seu texto. Sintetiza o que penso só que melhor escrito.

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