segunda-feira, 9 de maio de 2011

Os Filhos da Dita ainda fecham os olhos e engolem o choro

por Cleyton Boson

Esse fim de semana dois eventos marcaram meu pensamento sobre o mundo. Mas especificamente, meu pensamento sobre o meu país. O primeiro evento foi ir ao teatro, a convite de um amigo, assistir uma estréia de espetáculo: Os filhos da Dita, trabalho que se propõe debater as marcas que a ditadura militar deixou em nossa carne e em nossa alma nacional.

Desde o início, o espetáculo chama a atenção pelo cenário limpo, mas repleto de elementos que trazem de volta a brutalidade e a perversidade dos anos sombrios de 1964 a 1985. Em cena, as atrizes do Grupo Arlequins, Ana Maria Quintal e Camila Scudeler, dialogam com a dor e o silêncio que ainda perpassa os ossos de cada brasileiro e brasileira que nasceu nestes últimos 47 anos, e que continuará nos atravessando até que os arquivos sejam abertos e o silêncio vá embora. Lembrando muito, por sua narrativa fragmentada, Reflexos do Baile, de Antônio Callado, que já em 1976 gritava para o silêncio ir embora.

O outro evento foi ler as capas das maiores revistas noticiosas do país: na Veja impressa: O terrorista está no fundo do mar, mas suas idéias ainda vivem; e na digital: Bin Laden: na fala final a ladainha de sempre.

Na revista Época: abaixo do título O fim? a imagem de Bin Laden como se fosse uma bolinha de papel amassado jogada no lixo.

Na verdade, a cobertura da grande imprensa ocidental transformou em lixo um monte de coisas: os direitos humanos (sobretudo o direito à vida e a um julgamento justo), a soberania internacional (no caso a do Paquistão) e a democracia.

Não estou aqui defendendo o Bin Laden, mas fui "educado" assistindo os filmes norte-americanos do George Lucas e do Spielberg em que os mocinhos, quando estão com o vilão na mira (e com a alma cheia de ódio), são lembrados para não agir como os malvados para não se tornarem iguais (ou piores) a ele. Por isso, celebrar a morte de um homem que celebrava a morte não me parece algo digno de ser feito. Além do mais, até as lhamas do Peru sabem que Bin Laden foi muito útil para a reeleição de Bush filho, e depois para a execução de sua política interna e externa; e será muito útil para a reeleição de Obama (ou seja, ambos agradecem o saudita pelo seu inestimável trabalho).

O que mais me intriga, no entanto e aí está a ligação dos dois eventos, nessa nossa grande imprensa "livre", é o quase explícito regozijo pelo assassinato do terrorista internacional (que nunca se lembrou - que bom - do Brasil) e um silêncio inquietante frente a todo e qualquer membro do alto escalão da ex-ditadura brasileira.

Só para lembrar: o governo militar golpista matou, pelo menos, 383 brasileiros e brasileiras e torturou outras muitas filhas, filhos, mães, amigos, pais, netos, irmãs de nossa gente. No entanto, ganharam o direito de não serem investigados e de não serem chamados de assassinos e a grande imprensa não se move contra isso. E nenhum grande jornal acha isso um horror. E muitos deles defendem que tudo seja esquecido, pois as pessoas já morreram mesmo e não há mais nada a se fazer.

Bin Laden foi o grande popstar do mega espetáculo de terror apresentado na primeira década de nosso século (um espetáculo de sangue, aviões, tanques de guerra e petróleo). Hoje, segundo a revista Veja, ele vive no fundo do mar. A ditadura militar no Brasil é uma novela que ainda vive no coração de cada um de nós (até mesmo os que nasceram este ano) e é a grande responsável pela dificuldade que ainda temos de exercer nossos direitos. Afinal de contas, é difícil lutar contra a impunidade e a injustiça se a maior de todas as impunidades não pode sequer ter seus segredos revelados e a morte de, pelo menos, 383 pessoas ainda pesa sobre a cabeça da Pátria Mãe Gentil.

11 comentários:

  1. Olá galera
    Parabéns pela estréia e pelo sucesso atingido.
    Abração pra todas e todos.

    ResponderExcluir
  2. INTERESSANTE O ARTIGO
    FIQUEI CONTENTE PELO SUCESSO DA ESTREIA
    NAO PUDE ASSISTIR POIS NAO MORO EM SAMPA
    TENHO MUITA CURIOSIDADE EM VER O QUE POR AQUI JÁ MUITO LI. QUEM SABE UM DIA
    SAUDAÇÕES

    MAX

    ResponderExcluir
  3. Assisti a peça domingo passado. O que principalmente me surpreendeu foi a energia das atrizes. Duas, e no entanto, o palco sempre repleto. Muita competência conseguir resolver isso. O texto, muito bem elaborado, mostrou uma Dita cruel e ao mesmo tempo insegura na sua condição, que me soou quase como a de uma madrasta, que tem que cuidar de filhos não escolhidos, não gerados. Ou de uma mãe, que cuida de uma cria gerada mas nunca querida, nunca cobiçada, e, em ambos os casos, esses filhos diariamente são punidos por serem fardos indesejáveis. Recomendo uma chegada ao Teatro Coletivo nos próximos sábados e domingos. Uma opção para um fim de semana inteligente. THB

    ResponderExcluir
  4. Não assisti ainda mas vou.
    O artigo do Cleyton tem um ponto de vista muito importante que não devemos esquecer jamais. Se persistirmos no erro do OLHO POR OLHO DENTE POR DENTE , nunca mas nunca chegaremos à paz tão ovacionada nos dezembros natalinos. E se assim for porquê cantar?

    ResponderExcluir
  5. Não engulo meu choro. Meus olhos às vezes serenam acordados.
    Pegando carona na mensagem do Jose...
    O que me deixa p é que os mesmos que cantam essas mensagens natalinas de amor ao próximo são os que apoiam e aceitam que pessoas sejam assassinadas por grupos de extermínio. Aceitam na boa a morte de um homem sem julgamento. Aceitam a vida como ela é. Seja esse homem devidamente apedrejado pelo sistema. Seja um mendigo, um sem terra, um muçulmano, um negro, um pobre, um qualquer. Contanto que não seja alguém que a mídia queira pautar como um alguém que deva merecer condolência. Cantam! E nunca se esqueçam que o inferno é aqui! Cantam!

    ResponderExcluir
  6. Afê. Estou perdendo uma tremenda oportunidade de ver uma peça de teatro sobre a ditadura por não estar em SP. Please. Venham pra Natal. (até tá parecendo trocadilho com os comentários anteriores, os quais concordo plenamente, mas não é) kkkkk
    Venham pra Natal. Não tenho como ir a vocês!

    ResponderExcluir
  7. Cleyton. Concordo com você quando você diz que nenhum grande jornal acha isso de exterminar pessoas um horror. Mas como disse o Afonso, se o caso render, se mexer com a classe média que abastece o capitalismo, ah, coitado do assassino, vira exemplo a não ser seguido e morte declarada sem perdão e sem julgamento.
    Viva os que não abastecem o capitalismo!
    Que silêncio...
    Só ouço aplausos daqueles lá ilhados prestes a sucumbirem numa tsuname.

    ResponderExcluir
  8. E foi uma bolinha de papel amassada jogada no lixo Pô
    Missão cumprida
    Direitos Humanos é coisa de desocupado que defende os que matam inocentes e querem para esses uma cadeia mobiliada estilo Lalique Maquiada e vestida por Pout, Kima Terramare, Kevin Aucoin, Tarte, Ole Henriksen
    O máximo!
    Dá um tempo!

    HeBoy

    ResponderExcluir
  9. A história é contada de várias maneiras. Que faça parte deste repertório essa versão levada ao palco por vocês. Este é o meu aplauso convicto a esse trabalho.
    Sucesso sempre. Sem nunca esquecer o que vale a pena. Pequena ou grande.

    ResponderExcluir
  10. FECHAR OS OLHOS E ESCONDER O CHORO É SOBREVIVENCIA. COMO DAR A CARA A TAPA NUM PAIS SEM LEIS AOS QUE NÃO TEM BUFUNFA NEM PADRINHO?
    FÁCIL FALAR. QUERO VER MINHA CARA COMO FICARÁ NA HORA QUE EU SAIR À RUA SOLICITANDO DIREITOS. SÓ CICRATIZES. NEM MINHA FILHA ME RECONHECERÁ. SEI SEI. MELHOR CONTINUAR NA MOITA QUE DILACERADO.
    ANÔNIMO CONVICTO.

    ResponderExcluir
  11. Credo. Aceitar as coisas como são é covardia. Não pode não minha gente.
    Bjs e mais uma vez parabéns pela estréia.

    ResponderExcluir