sexta-feira, 4 de março de 2011

Apagão de informações sobre Vladimir Herzog

Mauro Malin entrevista Audálio Dantas

Audálio Dantas era presidente do Sindicato dos Jornalistas em São Paulo quando, em outubro de 1975, Vladimir Herzog, diretor do departamento de jornalismo da TV Cultura de São Paulo, foi torturado e morto em dependências do II Exército. Audálio está escrevendo um livro sobre o episódio, no qual teve atuação destacada. Recentemente, ele pediu as informações sobre Herzog guardadas no Arquivo Nacional, em Brasília, e teve o dissabor de ver sua solicitação embaraçada por descabidas exigências burocráticas. O assunto foi abordado pelo jornalista Ricardo Kotscho em seu blogue de forma contundente (ver A terceira morte de Vlado), o que levou o ministro da Justiça, José Eduardo Martins Cardozo, ao qual o Arquivo está subordinado, a determinar que a documentação fosse liberada para Audálio. Audálio teve, então, uma surpresa, como conta nesta entrevista ao Observatório da Imprensa.


Entre 350 e 400 tópicos, e muito pouco sobre 1975 

Audálio Dantas - Ao solicitar os dados do Vlado, os papéis referentes a ele, eu solicitei os meus. Vem um resumo de cada citação. No meu caso, chegaram 97 páginas, cada uma com três ou quatro resumos. Isso significa de 350 a 400 citações a respeito aqui do seu prezado amigo. Aí tem um monte de coisas assim: "Participou do evento de instalação da Comissão da Paz", "Assinou...", "Foi a Piracicaba numa manifestação de sindicatos".

Quando chega no período do Sindicato dos Jornalistas, principalmente aquele que mais me interessa, que é desde a posse, em maio de 1975, até a morte do Vlado... até o Fiel (Manuel Fiel Filho, operário comunista morto em 17 de janeiro de 1976). Já em julho eu fui convocado pelo comandante do II Exército (atual Comando Militar do Sudeste), por causa de uma nota que nós fizemos censurando um associado, o Fausto Rocha, que disse num discurso, no palácio (do governo estadual) – ele era locutor (oficial), mas se deu o direito de fazer um discurso − que as redações estavam infiltradas pelos comunistas, essa coisa. Era de encomenda, isso. Fizemos a nota, o general nos chamou para dizer que o jornalista tinha toda a razão, porque as redações estavam realmente infiltradas pelos comunistas... E aí começou todo o negócio. E eu queria ver o que tinha acontecido.

Pois olhe: nem isto, nem nada dos dias de prisões, antes do Vlado, nenhuma referência. O que ocorreu efetivamente é que eles apagaram isso. Ou o SNI (antigo Serviço Nacional de Informações, centro de espionagem política da ditadura) não mandou os documentos, ou o Arquivo Nacional os sonegou, o que é muito grave.

Veja você. Aquele documento de 1.004 assinaturas de contestação do IPM (Inquérito Policial Militar feito após a morte de Herzog e que concluiu que o jornalista havia se suicidado) não aparece. O general Dilermando Gomes Monteiro (que substituiu Ednardo D’Ávila Melo no comando do II Exército, após a morte de Fiel Filho) visitou o sindicato − isso já é no outro ano −, não consta. 

Então, evidentemente, apagaram. É um novo apagão.

O que o senhor encontrou relativo ao ano de 1975?

A.D. - Só há seis resumos. Eles começam em abril, ainda antes da posse, fazendo um relatório sobre as eleições no sindicato. Depois não se fala nada sobre debates que nós fizemos a respeito da censura, um monte de coisas que seriam bem de eles reportarem. Em seguida vão para agosto, falam de um ciclo de palestras promovido pelo sindicato. Não há uma menção às prisões dos jornalistas, que levariam à morte do Herzog. 

Encontro intersindical proibido não é citado 

Quando houve as primeiras prisões o senhor tomou alguma iniciativa?

A.D. - Ah, sim. Deixe-me reconstituir as coisas mais importantes que aconteceram nesse período. A posse da diretoria do sindicato foi no dia 6 de maio. Promovemos um encontro com outros sindicatos para discutir a política salarial do governo. Foi proibido pelo Dops – as intersindicais eram proibidas. Não tem nenhuma referência a isso. No dia 18 de julho houve o episódio do Fausto Rocha, locutor oficial do Palácio dos Bandeirantes. Dizer que as redações estavam infiltradas por comunistas fazia parte do discurso do general Ednardo. O sindicato fez uma nota discordando daquilo, dizendo que não era verdade, era uma generalização perigosa. Recebemos a primeira intimação para dar explicações no II Exército ao próprio comandante. Um fato desses devia estar registrado.

Um tenente da PM é morto, jornalistas são presos

A.D. - Em julho prenderam o tenente da PM José Ferreira de Almeida, morto (8/7/1975) nas mesmas circunstâncias do Vlado. Em agosto começaram as prisões de jornalistas. Em setembro começou a campanha contra o Vlado na TV Cultura. O Luiz Weis era editor chefe de jornalismo da Cultura e diretor do sindicato. Por exigência do SNI ele foi demitido da TV Cultura e da revista Visão. Também não há referência a isso.

O nosso jornal, Unidade, começou a circular em agosto. Na segunda edição, em setembro, nós já denunciávamos a prisão do Weis. Prenderam o Sérgio Gomes da Silva no Rio, por determinação do DOI-Codi de São Paulo. Depois a Marinilda Marchi (hoje, Carvalho), em Brasília. Essas duas prisões nós denunciamos, fizemos nota, e cada prisão de que o sindicato tinha conhecimento motivava uma nota de protesto. Acontece a morte do Vlado e todo aquele movimento que se conhece, até o culto ecumênico (ver depoimentos sobre Vlado e "Trinta anos para não esquecer"). Não há uma referência sobre isso. Qual a razão? O SNI não mandou para o Arquivo Nacional? Ou mandou para o Arquivo Nacional e o Arquivo Nacional não está relacionando (esses documentos)? É essa a questão.

O senhor vai questionar o Arquivo Nacional para saber se de fato não tem mais nada?

A.D. - Isso. Porque, como eu disse, há registros da minha participação "na mesa de debate da faculdade não-sei-o-quê", um monte de coisas. Eu apareço às vezes como membro do PCB, às vezes como membro do PC do B, é uma confusão fantástica. O SNI era o principal órgão de informação do governo militar e é estranhíssimo que esse período não tenha sido registrado. Nesse período a diretoria do sindicato é convocada ao comando do II Exército umas cinco ou seis vezes. Também não aparece nada disso.

Quais serão seus próximos passos?

A.D. - Vou anotar os tópicos que me interessam, para pedir o conteúdo, e vou fazer esta pergunta: qual é a razão de não haver esses registros, se há documentos que não chegaram ao Arquivo Nacional. Ao mesmo tempo, com base na liberação feita pelo ministro da Justiça, eu pedi os documentos do Vlado. Vamos ver o que vem. Esse período tem que estar lá. Assim como deveria estar no meu dossiê.

(Publicado originalmente no Observatório da Impresa - Sobre comentário para o programa radiofônico do OI.)

14 comentários:

  1. Pior é que não me surpreendeu saber que quase nada de Vlado está disponível para pesquisa.
    Por que estaria, se por todos esses anos tudo que fizeram foi destruir, esconder, apagar, esse período de horror da nossa história?

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  2. Isso é muito vergonhoso, muitíssimo.
    Dizer que existe um arquivo e que está aberto à consulta e quando se vai lá para pesquisar um alguém que sabemos, por outros meios, a sua história, só queremos mais dados, e não encontramos nada, nem o que sabíamos, é mais do que apagar a história. É fazer que pareçamos ficcionistas de um conto imaginário.
    Ruim, muito ruim isso.

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  3. Decepção é pouco para o que sinto em saber disso. Até quando eles vão relutar em admitir que o regime militar foi cruel e assassino de inocentes? Vlado nunca pegou numa arma. Vlado nunca sequestrou. Vlado era apenas um cidadão que exercia o jornalismo. E mesmo que fosse tudo isso, o dever do estado era julgá-lo e não executá-lo para depois se esconder atrás da farsa de suicídio.

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  4. Triste saber que nada mudou por aqui.

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  5. Seria mais honesto se eles entregassem a quem fosse pesquisar folhas e folhas em branco do que apagar trechos significativos.

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  6. Vivemos em um mundo onde a liberdade é um direito,
    mas muitos não a possuem.
    Onde a paz é um desejo,
    e a guerra uma necessidade prazerosa.
    Onde a vida não é aproveitada,
    por causa do temor à morte.
    Onde sinceridade, muitas vezes torna-se indelicadeza,
    e a falsidade é uma atividade do nosso cotidiano.
    Onde a inteligência humana salva vidas,
    e a ganância tira várias.
    Será que os fins justificam os meios?
    Não! Os meios devem ser justificados,
    mas com sabedoria e bom senso.
    Um mundo onde um bandido com paletó é respeitado,
    entretanto um mendigo honesto é queimado,
    enquanto descansa de um dia de sofrimentos.
    Onde os criminosos têm regalias, ou estão soltos,
    e as famílias são obrigadas a se trancafiarem nas suas próprias casas.
    Abrangendo a frase de um poeta que interrogava:
    "Que país é este?", pergunto-me:
    Que mundo é este? Onde a única certeza,
    é em relação a sua forma.
    Um mundo onde tudo se faz por dinheiro,
    e quem não segue as normas é "deixado para trás".
    Onde todos devem ser doutores,
    por vontade ou pressão.
    O que será das outras profissões?
    Onde o ilícito é muitas vezes confundido com o lícito,
    e as atitudes lícitas tornam-se cada vez mais raras.
    Um mundo que cria máquinas de última geração,
    mas não consegue achar uma solução para a poluição.
    Um mundo que sem saber, ou até mesmo sabendo,
    destrói a si mesmo, em prol do lucro.
    Mas "pra não dizer que não falei de flores".
    Vivemos em um mundo onde muitas pessoas fazem o bem,
    sem o interesse de receber nada em troca.
    Onde "o homem é o lobo que devora o próprio homem",
    mas frequentemente é o "São Bernardo" que o resgata do perigo.
    Onde alguns pais matam os filhos,
    e outros dão a vida pelos mesmos.
    Onde a criança vive inocentemente e vive em uma utopia encantadora.
    É neste lugar misterioso e fascinante que vivemos,
    onde uma semente chamada esperança,
    é plantada junto com cada feto.
    E o desejo de um futuro melhor é comum a todos.
    Sendo assim, enquanto houver esperança,
    verei o mundo com um olhar crítico, mas otimista.

    poema de Ruan Pereira Passos - São Félix/BA

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  7. Bonito o poema, caríssimo. Ou melhor, bonita a sua intenção...
    Mas sou pessimista. Pois sendo assim estarei sempre em vigia e atuante, claro, para algo mais que isso que existe hoje (ontem também) (visto os arquivos que nada revelam). Não acredito em otimistas. Neles há uma certa resignação antiquada. Como um slogan que propagandeia um produto que não serve para nada, apenas para ser vendido.

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  8. Realmente parece q vivo num mundo insano. Onde esconder a verdade é brio. Onde apagar a memória é história. Onde fazer pessoas de idiotas quando tentam ser cidadãos é atração circence. Pão nem todos tem. Já circo......
    Salete Eiras

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  9. O que foi feito foi feito. Temos que reconstruir a nossa histora sem recorrer a arquivos. Eles estão fechados. Lacrados com o sangue impregnado dos mortos.
    Jamais teremos recursos, nem tecnológicos nem intelectuais, para romper esse lacre tão duramente selado pelos defensores da inverdade. Pelos defensores da falsa democracia que vivemos. Democracia é votar? É só isso? Só isso.....?
    Então democracia não existe. Porque votamos no menos ruim.
    Tudo não passa de ilusão para que pensemos que vivemos livres.
    Arquivos são para serem abertos, são recursos para serem utilizáveis.
    Mas tá, não são. São meros objetos decorativos.
    Vamos contar então a nossa historia sem arquivos oficiais. Vamos fazer a nossa história pelo que sabemos.
    Vamos nos utilizar da arte que é, sempre foi e será, a única ferramenta que funciona e conta a história.
    Escrevamos poemas, livros, frases. Pintemos, desenhemos, rabisquemos. Coreografemos, dancemos, bailemos. Criemos, interpretemos, gesticulemos. Pichemos muros, casas, edificios. Façamos músicas, letras, versos. Esculturemos no barro, na madeira.
    Mas nunca coloquemos no fim da história que havia uma pedra fantástica que se descoberta estaríamos livres da busca. Porque isso é história da carochinha e acho que não precisamos mais disso.

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  10. Essa obscuridade reflete que não estamos indo muito bem por aqui. Srs ETs como estão por aí?
    MCR

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  11. Nao entendi nada. rs
    Apagando dos arquivos a passagem de Vlado nos porões da ditadura, e sua execução, a história vai mudar?
    Tá contada.
    Vlado Hersog morreu pelas mãos de um ESTADO que dizia proteger o país e o levou a falência.
    Vlado não era um ativista.
    O ESTADO sim.
    Quem é o réu.
    Quem deveria ser apagado?
    @r@pong@

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  12. Contra as minhas perspectivas, concluo então que esse é o autêntico arquivo morto.

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  13. Concluo então que estão matando Vladimir Hersog pela quarta vez. E assim se caracteriza a nossa história feita de cortes, informações negadas e hipocrisia.
    Que admirável mundo novo !!!!!!!!!

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  14. Os arquivos estão abertos?
    Parece que não.

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