por Míriam Leitão e Alvaro Gribel
É particularmente interessante a expressão "governo chamado de militar", no documento que as Forças Armadas enviaram ao ministro da Defesa contra a Comissão da Verdade. Quer dizer que um governo que por 21 anos instalou generais na Presidência e julgou seus opositores civis em tribunais militares era então um governo civil? Isso é novidade.
O documento divulgado pelo trabalho do repórter Evandro Éboli, de O Globo, revela que os comandantes das três forças consideram que o passado passou, e que qualquer investigação sobre torturas e circunstâncias das mortes dos opositores políticos seria "abrir ferida na amálgama nacional." Diz ainda que este tipo de investigação "pode provocar tensões e sérias desavenças."
Os militares argumentam que os fatos se passaram há mais de 30 anos, que pessoas envolvidas já morreram e documentos e provas perderam-se no tempo e portanto nada deve ser investigado. De fato, o Brasil perdeu tempo demais. Logo após o último general sair do Planalto, há 26 anos, era difícil por dois motivos. Primeiro, o medo imposto por eles de que qualquer mexida nessa ferida fosse entendida como uma provocação à qual reagiriam. Depois, o presidente que por fatalidade assumiu, José Sarney, tinha sido um fiel servidor do regime. As ambiguidades desse início adiaram o encontro com a verdade daquele período sombrio; depois, os presidentes que se seguiram vacilaram e aceitaram o mesmo veto que agora as Forças Armadas tentam impor à Comissão da Verdade.
Existe algum argumento para que não se tente saber em que circunstâncias morreu o deputado Rubens Paiva? Ou como foi morto o jovem Stuart Angel? Como e de que forma foi morto Vladimir Herzog? O corpo do operário Manoel Fiel Filho, após ser preso, foi entregue à família com sinais visíveis de tortura e com a ordem de que fosse enterrado rapidamente, sem perguntas, sem divulgação. Tantos outros simplesmente desapareceram sem que se tenha qualquer vestígio. Por que estamos proibidos de perguntar como morreram? Por que isso iria ferir a "amálgama" nacional?
Se é verdade que os documentos se perderam, por que então as Forças Armadas querem evitar o anonimato para quem entregar documentos ou der depoimentos esclarecedores?
No texto, os comandantes militares consideram que uma das razões para não se olhar para este passado é que "o governo não foi derrubado pelas forças políticas, mas ensejou lenta e gradual transição e devolução do poder aos civis." (...)
Esse trecho do documento, de que eles entregaram o poder espontaneamente aos civis, não conversa com o outro, em que eles se referem àquele período com a expressão "governo chamado de militar." Como a parte em que eles dizem que é legítimo "as famílias buscarem seus entes queridos" não conversa com a parte que discorda da criação da Comissão da Verdade. A quem as famílias perguntarão pelos seus entes queridos se, como diz o documento dos comandantes militares, tudo isso é passado, no qual não se deve mexer para não ferir a paz nacional?
Há ruas no Brasil - em São Paulo, por exemplo - que se chamam 31 de março; a termelétrica de Candiota ainda se chama presidente Médici. Ainda se ensina nos 12 colégios militares às crianças e adolescentes que não houve ditadura militar no Brasil, e que as cassações e a censura foram necessárias por causa da intransigência da oposição, como informou a "Folha de S.Paulo" no ano passado.
Alguns se perguntam se essas informações resgatadas vão levar ou não a processos contra os responsáveis. Ouvido, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou que a Anistia apagou os crimes. Este aspecto da polêmica está, portanto, encerrado. Acho que os militares têm razão em dizer que é preciso saber também dos chamados justiçamentos executados por alguns grupos de esquerda. Eles usam o argumento como chantagem, mas é de fato necessário incluir no mesmo rol de fatos a buscar.
Inaceitável é ainda hoje haver o veto dos militares a que uma comissão busque informações sobre pontos nebulosos do nosso passado recente.
Os comandantes militares de hoje não estão comprometidos com os atos cometidos naquele período, mas ao se empenharem tanto em encobrir o que seus antecessores fizeram comprometem a instituição como um todo. Essa tendência de nada apurar, tudo esquecer, lembra a "astuta amnésia" de que falou em artigo recente o jornalista Elio Gaspari, sobre outro pedaço infeliz da nossa história, soterrado para não comprometer a versão de que tudo foi suave no Brasil, da escravidão à ditadura.
A verdade é que nenhum jovem conhece a história do Brasil. Quando muito sabem quem foi aquele portugues que errou a rota e mergulhou por aqui. Depois disso até hoje, tudo é nebuloso.
ResponderExcluirNão temos história. Tudo está apagado. Nossos jovens estão mergulhados na mais profunda censura já exercida e nem isso eles sabem.
Sônia Bueno
Num é que a Miriam Leitão até está melhorzinha nesse artigo ! kkkkkkkk
ResponderExcluirÉ que estranhei de início quando vi aqui um artigo dela. Mas valeu dessa vez.
Miriam rompeu seu silêncio inconveniente. hehehehehe
ResponderExcluirSonia, me perdoe, mas aquele português "errou a rota"?
ResponderExcluirLetícia
kkkkk
ResponderExcluirLetícia, eu particularmente acho que ele não errou. Ele sabia perfeitamente para onde estava indo quando chegou por aqui.
Mas, como disse, nossos jovens não conhecem a própria história, e apostei que talvez até nessa lenda da turbulência que fez o portuguezinho desviar da rota das Índias eles acreditem.
:D
Sonia
Errou a tal ponto de saber exatamente para onde enviaria o ouro do Brasil, sem falar do pau.
ResponderExcluirUm perdido por aqui se achando.
Valei-me São Longuinho dos perdidos que dos achados me livro eu.
Vejam Amor e Revolução...
ResponderExcluirembora timidamente a novela do SBT,sob censura , levanta a questão da necessidade ou não de uma intervenção militar... coisa que já foi milhares de vezes explicadas aos brasileiros... e estes teimam em não compreender...
uma vez que não houve guerra mundial de 1964 a 1985, as forças armadas brasileiras treinaram nos civis,a mando dos EUA...
só não vê quem é surdo...